Encontrar o sentido da vida talvez seja o objetivo de todos nós, em nossa busca por nós mesmos, nossos anseios e desejos, com o equilíbrio possível que estabeleça a vida que queremos viver. Assim como a literatura, a música, com seus ritmos, consegue dialogar perfeitamente com nossas emoções e vivências, ajudando-nos a assimilar nossas angústias e medos, a lidar com nossa solidão. Controle, primeiro romance da já premiada escritora Natalia Borges Polesso, é um livro que fala dessa busca por descobrir o que somos verdadeiramente, uma reflexão sobre o que fazemos dos nossos dias e do que desejamos para nossa vida. Tudo isso com uma escrita ritmada e envolvente, como as melhores canções.
Em todos os momentos, a música está presente, por vezes como ponto de fuga de uma personagem que usa os fones de ouvido como uma forma de proteção contra as coisas do mundo; por outras, como ponto de expressão de sentimentos represados e até então desconhecidos por ela. Esse interessante diálogo entre música e literatura enriquece a narração de Polesso, assim como aproxima o leitor do texto ao dialogar com as experiências de toda uma geração que cresceu ouvindo grandes bandas em fitas cassete e que certamente se identificará com as personagens dessa história.
Há algo de nostálgico neste romance que faz um passeio pela memória musical de toda uma geração de adolescentes que viveram suas primeiras experiências ao som de canções de grandes bandas de rock, como New Order, cujos trechos de músicas diversas perpassam muitos momentos da narrativa. Músicas ouvidas em seus toca-fitas, com fitas cassete compartilhadas entre amigos, ainda no início da era da internet e do surgimento das redes sociais.
Nesse sentido, Controle pode ser considerado um romance de geração, assim como um romance de aprendizagem por narrar todo o processo de amadurecimento de sua protagonista, Maria Fernanda, do final da infância, quando descobre ter epilepsia, até a idade adulta, quando se questiona sobre sua identidade e o que tem feito da vida até então, passando por toda a profusão de emoções da adolescência.
Mais que um rótulo
Este também é um livro sobre a solidão, narrado em primeira pessoa pela protagonista, que a partir da descoberta desse transtorno, a epilepsia, tem sua vida transformada e bastante controlada em cuidados pela família e amigos — os poucos que ainda restaram em virtude do preconceito. Embora os cuidados dos pais revelem o amor e a preocupação que sentem pela filha, a proteção excessiva também a impede de viver muitas das coisas que poderia ter vivido. A convivência na escola após o início das crises passa a ser bastante cruel, uma vez que o preconceito e o bullying são ainda comuns em nossa sociedade. Com isso, Polesso chama a nossa atenção para a importância de discutirmos esses temas no espaço de aprendizagem que é a escola, local potencial de transformação da sociedade que, sem diálogo e pensamento crítico, apenas reproduz discursos ultrapassados e preconceituosos.
No romance, Maria Fernanda sofre bastante com as “brincadeiras” dos colegas, o que torna todo o processo de aceitação do transtorno mais difícil e doloroso, acarretando em isolamento e fuga do contato social. É uma importante reflexão que o livro nos propõe: a necessidade urgente de nos colocarmos no lugar do outro e exercermos a empatia, ações tão necessárias para a criação do mundo mais tolerante e menos violento em que desejamos viver.
A solidão de Maria Fernanda expressa todas as angústias e sentimentos à flor da pele de uma adolescente em busca de compreender melhor como será sua vida com esse transtorno e o que realmente deseja fazer para além disso, na tentativa de assumir o controle de si mesma, no desejo pela autonomia e liberdade um tanto tolhidos pela doença. É nesse ponto que o romance de Polesso merece destaque ao apresentar personagens reais e complexos, não limitados a uma condição médica ou à sua sexualidade. Pelo contrário, esses elementos são apenas motivadores das transformações vividas pela protagonista em sua busca por assumir o controle de sua própria vida e alcançar o amadurecimento.
A descoberta do amor
O amor e a amizade entre mulheres é um tema já abordado com destreza pela autora nos contos do aclamado Amora, vencedor do Prêmio Jabuti em 2016 na categoria contos. Em Controle, a amizade entre Joana e Maria Fernanda é central para o desenrolar de toda a trama, assim como o processo de descoberta e afirmação do amor que sentem uma pela outra. Mais do que narrar uma relação homoafetiva entre mulheres, Polesso narra, sob a perspectiva feminina e com delicadeza, uma história de amor entre duas amigas de infância que desde cedo compartilharam a vida e a solidão, assim como os obstáculos que vivenciaram ao longo desse processo de amadurecer. Há dúvidas, brigas, silêncios, questionamentos, mas há também companheirismo, compreensão e genuína lealdade como ocorre nas melhores amizades.
É na adolescência que as primeiras experiências, seja o primeiro beijo, seja o primeiro show de rock ou a primeira decepção, costumam acontecer. Os grandes amigos de então nem sempre permanecem amigos, mas há aqueles que conseguem sobreviver ao tempo, que acompanham as transformações e permanecem. O ritmo da vida, com seus encontros e desencontros, as perdas e as descobertas, também se tece no decorrer das páginas de Controle ao nos fazer pensar no tempo e em sua efemeridade.
Eu quero viver!
Mais do que um passeio musical repleto de nostalgia pelas memórias de uma jovem que busca descobrir seu espaço no mundo e o sentido que quer dar à vida, o livro explora preconceitos, nos faz pensar em inclusão e empatia, assim como no amor — que deve ser respeitado em todas as suas formas. É, antes de tudo, um romance que reafirma a vontade de viver. Natalia Borges Polesso escreve um romance de ritmo e letra, capaz de envolver o coração de leitores e leitoras em suas memórias de juventude, firmando-se como uma das grandes escritoras de nosso tempo.