Percebo que a movimentação no quarto diminuiu. Decidiram deixar minha filha se despedir dos pais como se estivesse na própria cama. Como se o último olhar da mãe fosse um simples boa noite. Como se o meu olhar fosse um vê se dorme agora.
Converso com ela. Mas sua voz está tão fraca que não consigo ouvir o que ela diz. A despedida é mais silenciosa do que eu gostaria.
Olho para o sofá e verifico que a mãe está dormindo. Parou de gemer de agonia. A tremedeira diminuiu.
Meus olhos não querem fechar. Minhas mãos não soltam as dela. Não aceitei o calmante, estou a ponto de gritar, de espalhar os equipamentos do quarto pelo chão.
Digo à minha filha que sua mãe ficou calma.
Ela sorri com esforço. Os dentes se mostram expressando alegria, mas os olhos ainda transmitem dor. Os analgésicos não fazem mais efeito. Digo a ela que vou pedir mais remédio.
Mas é tarde. Sua respiração é interrompida, como se estivesse afogada. Aproximo meu rosto do dela e lhe beijo a testa. Ela me olha assustada. Ela compreende o que está acontecendo. Então, prendo respiração, como se eu estivesse sugando todo o ar do qual ela precisa para se manter viva.
Minha vista está congestionada. Meus olhos não conseguem mais vê-la, deles escorrem lágrimas até o queixo. Com a boca trêmula, peço perdão e digo um até breve que me gela o peito descrente.
Ela é tão pequena e eu não a protejo, não defendo seu corpo da morte. Não evito que seu último suspiro seja de dor e medo.
O que vivenciamos é pior do que uma despedida.
A mão dela aperta a minha. Tento segurar ainda mais a respiração para não roubar seu último fôlego, mas o corpo dela afrouxa e eu me curvo sobre seu peito.
A mão pequena e macia solta a minha.
Um grito vai se formando dentro de mim. Mas para soltá-lo precisaria tomar fôlego, e eu não quero voltar a respirar. Não antes que a morte desafogue o corpo da minha filha dessa súbita maré.