Poemas de Isabela Sancho

Leia os poemas "As regras" e "Alva" de Isabela Sancho
Ilustração: Isabela Sancho
28/06/2019

As regras

O rosado salta
da multidão da serra
no mesmo momento
do mesmo mês.

A derrubada
de folhas sincrônicas
de propósito e em burla
das pragas que nos assolam.

Eu menstruo, você menstrua
e as árvores-da-china
amarelam de graça
todas juntas.

Alva

Branca como o halo lunar,
uma boneca de porcelana,
a louça guardada
com ricos palmitos.

Pérolas de água-doce,
leite-de-flor.
Nunca me ocorreu
usar pó-de-arroz.

Branca-renascimento,
um bebê batizado.
A debutante,
a noiva virgem.

Branca, ave-maria.
Renda-sinhazinha.
Branco-gelo,
os dedos pingantes.

Branco-rosa-porquinho.
Branco-refluxo.
Branco, o suor azedo
de quem mal começou a suar.

Branca, metal-nobre.
Branca —
uma bala-perdida,
alvejante.

Branca como a anemia.
Branca como a amnésia.
Branca, é uma menina.
Branca-borracha.

Com a palidez de um susto —
branca-próprio-fantasma.

Branco, minha-nossa.
Branco-não-adianta-ir-à-missa.
Branco-horror-do-holocausto
debaixo do branco nariz.

Branca, não-mais,
eu te rogo.
Branca —
esse tempo todo.

(Espelho intolerável
em nada comparável
com estar
no outro lado da história.)

Branco, amarelo-cólera.
Branco-verde-enjoo.
Branco-roxo-nervoso.
Branco, que fizeste dos outros?

Branca de constrangimento —
como me verá o esquimó?
Branca rosa?
Branca-amarela?

Branca nesga na pele.
A cicatriz mútua se nega.
Negror não é o que te cega,
branca cicatriz que é minha.

Isabela Sancho

Nasceu no interior de São Paulo em 1989. Formou-se em arquitetura e urbanismo pela Unicamp. É autora de As flores se recusam (2018) e A depressão tem sete andares e um elevador (2019), livros de poesia e ilustração, e publica poemas pelo portal Fazia Poesia. Seu livro de estreia foi finalista do Prêmio Glória de Sant’Anna 2019 (Portugal).

Rascunho