O áspero paraíso

A concisão é a principal marca do excelente "Intempérie", do espanhol Jesús Carrasco
Jesús Carrasco, autor de Intempérie
15/01/2016

Entre as muitas qualidades de Intempérie, de Jesús Carrasco, destaca-se aquela que Tchekhov considerava ser a mais importante em uma obra literária: a concisão.

Essa novela de 181 páginas pode ser devorada em cinco ou seis horas, em apenas uma ou duas imersões, porque o certo é que a maioria dos leitores terá dificuldade para interromper a leitura.

Concisa e envolvente, Intempérie conta a história de um garoto perseguido. Não se sabe bem por que motivo e nem se saberá com clareza até o final trágico, impactante, violento. Essa dúvida vai amarrar a atenção do leitor, vai mantê-lo em suspense.

No começo encontramos o garoto em um buraco que cavou para esconder-se e no qual se encaixa como um feto na barriga de uma mulher. Escuta cada vez mais próximos os passos e as vozes dos que o procuram.

Já nas primeiras linhas o leitor sente-se solidário ao menino acossado. E permanecerá ao lado dele, olhando pelos olhos dele, até o fim.

O garoto deixa o buraco e começa a caminhar por um cenário de pesadelo — uma planície árida devastada pela seca — que não lhe proporciona esconderijos onde possa se furtar aos olhos que o perseguem.

Encontra um pastor que vive com suas poucas cabras, um cachorro e um burro. Ao acolher o menino que tenta roubar-lhe o embornal, o velho magro e silencioso também se torna alvo da perseguição.

Quase não há diálogos. Menino e velho falam o mínimo indispensável. São como animais que passam a maior parte do tempo procurando por água e comida, protegendo-se do sol abrasador e escondendo-se dos caçadores.

Não há uma época definida. O que existe de menos arcaico é uma moto com sidecar (dispositivo de uma só roda, no qual uma pessoa é transportada).

Também a terra onde se passa história não tem nome, mas pode-se imaginar que aquela meseta desértica é a mesma que assistiu à passagem do Cavaleiro da Triste Figura.

A narrativa é seca como a terra e a vegetação, e queima como o sol de um céu sem nuvens.

Quase não há vírgulas no livro. As frases curtas reproduzem os movimentos do menino, seus temores, suas dores e, só muito raramente, seus pensamentos.

Não há mulheres no drama. Só existe uma breve referência a uma mãe remota. E umas poucas lembranças do pai, do cinto do pai. Os personagens são poucos — o menino, o pastor, o aleijado, o aguazil e seus asseclas — e nenhum deles tem nome.

Mesmo sendo o texto concreto, duro, não se trata de uma obra realista. Talvez Jesús Carrasco queira nos dizer, de modo cifrado, algo, mas, elegante, não faz proselitismo. O que esse espanhol de Badajoz escreveu está mais para sonho ruim do que para história com mensagem, embora, pouco antes do incêndio purificador, escape-lhe uma frase sobre os gritos dos “coroinhas, órfãos e enjeitados”.

O livro vem sendo bem acolhido por onde é lançado. Obteve sucesso notável já ao ser lançado na Espanha, onde ganhou importantes prêmios literários. Depois chegou a outras nações europeias, que o saudaram como obra realmente diferenciada. Resumindo, é um livro forte e bruto, mas que, como afirmou uma crítica italiana, talvez possa ser visto como uma ilha paradisíaca perdida em meio ao oceano da vulgaridade literária.

Intempérie
Jesús Carrasco
Trad.: Luís Carlos Cabral
Bertrand Brasil
181 págs.
Jesús Carrasco
Nasceu em Badajoz (Espanha), em 1972. Em 2005, mudou-se para Sevilha, onde vive atualmente. Desde 1996, é redator publicitário. Intempérie, sua estreia na literatura, já vendeu mais de 100 mil exemplares na Europa.
Lourenco Cazarré

É jornalista e escritor.

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