10.07.1980
Vou à 32ª reunião da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), na UERJ. Os quase 10 andares do prédio lotados. Encontro Darcy Ribeiro no elevador, que me cobra não ter ido à reunião com os índios… Na verdade, recebi um aviso telefônico de Vera/Zelito Viana, mas não explicaram o quê e para quê era. Foi pena.
A mesa redonda com Silviano Santiago, Dirce Riedel, Antônio Calado, Ivo Barbieri, Luiz Costa Lima foi um chatice. Todo mundo lendo textos teóricos acadêmicos, num tom que lembra o formalismo do tempo da ditadura. Antônio Calado foi o melhor, conquanto o mais fraco teoricamente. Nem ele se propôs a tal. Começou falando da morte de Vinicius ontem, e criou logo uma empatia com o público. O assunto geral (parece) era a cultura brasileira hoje. Saí antes de acabar, com o saco cheio, embora sejam meus colegas. Atualmente, estou noutra. Os artigos no JB mostram essa busca de algo novo, nova linguagem, mais quente e oralizante.[1]
Fora dali a discussão de um grande grupo ocupava os corredores do 9º andar: homossexualismo. Plateias e discussão quentes. Por todo lado a esquerda radical vendendo livros e revistas. São uns 10 andares em tipo de feira cultural. Mas me incomoda esse lumpenproletariat da esquerda, evidentemente mais neurótico que político.
Mas o ambiente era de festa. A SBPC passou a ter uma função política e social durante a ditatura. Milhares de pessoas (ou centenas?) ouviam economistas na concha acústica da universidade. Até os economistas são mais “quentes” em suas falas. Só os professores de literatura ali não sacaram que a hora é outra. Ai, meu Deus! Que tédio dos meus pares!
25.08.1980
Participamos, Marina e eu, do I Festival de MPB/80, patrocinado pela TV Globo. Fomos às três eliminatórias que transcorreram nos meses que passaram. Era um júri de duzentas pessoas: intelectuais e donas de casa. A final foi ontem no Maracanãzinho. Umas 30 mil pessoas, numa zoeira danada.
No dia seguinte dei/participei de uma entrevista para a revista Abre alas, de Renato Morais (revista distribuída durante o carnaval), da qual participou também Luís Fernando Medeiros, meu aluno, que apresentou na PUC uma tese sobre Ismael Silva.
Na entrevista ficou clara para mim a possibilidade de se estabelecer uma periodologia para a MPB neste século[2]:
1. até 1902, vindo do século 19, relação com o teatro musical
2. 1902 – o disco
3. 923 – o rádio
4. 1929 – o cinema falado
5. 1940/50 – período áureo do rádio
6. 1960/70 – festivais e TV
7. 1970 em diante – presença da universidade, a qual teve incluídos nos cursos de pós-graduação dezenas de trabalhos sobre o assunto.
O nível das músicas do festival era fraco. A mais original era Nostradamus, de Eduardo Dussek: no palco ele aparece vestido de smoking, mas com asas brancas de anjo; música & letra inventivas.
Nos intervalos, o povo em massa gritando o slogan que virou moda desde que Figueiredo foi vaiado pelos estudantes em Florianópolis: “Fi-guei-re-do, Fi-guei-re-do, Fi-guei-re-do! Vai-pra- puta-que-o-pariu”.
09.07.1980
Há vários dias venho pensando em escrever diário. Sei que há motivações externas e internas. Externas: a publicação de fragmentos do diário de Drummond, no Jornal do Brasil[3], e eu percebendo como certos detalhes são importantes para o entendimento do país, da geração e do poeta. Otto Lara também tem publicado seu diário (informalmente)[4]. Josué Montello idem. Vi outros fazendo a mesma coisa. Os diários de brasileiros que (aleatoriamente) vi, não me agradaram, como os do Walmir Ayala e do Lúcio Cardoso. Há aquela coisa meio ficção, meio romance do Marques Rebelo, que acho interessante. Marina escreve diários desde menina. Isso aqui não é um diário, é um quase-diário. Na minha adolescência li (era um sucesso) As amargas, não, de Álvaro Moreira, fragmentos de uma vida deixando de fora as “amarguras”.
Por outro lado, sinto que ingresso num período mais maduro. Há certas coisas mais consequentes acontecendo a partir de mim, ou me envolvendo a mim. Antes, achava que a poesia era o meu próprio diário, e bastava. Mas agora necessito desta outra ferramenta. Quando adolescente escrevi diário (como meus irmãos). Mas tinha tanto medo que a família o lesse, que não narrava as coisas importantes. O diabo vai ser encontrar tempo e fidelidade a esse projeto. Para este tipo de coisas, sou muito descontínuo. A vantagem é que isto me obriga a treinar a escrita e a me livrar, de vez, da já quase extinta “câimbra de escrivão” — essa coisa que o Autran Dourado também tem. Só que ele escritor/escrivão tem um cartório e eu não tenho cartório e a minha câimbra é muito melhor.
25.09.1980
Há dois dias começou a Guerra Irã-Iraque. Sobre isto conversamos o dia inteiro e as relações entre isto e as bombas e atentados no Brasil, ou os cinco assaltos que vitimaram minha filha Fabiana. Se fosse escrever sobre isto…
Notas
[1] Esses artigos em 1984 seriam reunidos em livro: Política e paixão (Rocco). O editor Paulo Rocco fez questão de publicar no livro também meus poemas veiculados nos jornais. Faziam um todo.
[2] Como, aliás, demonstrei em Música popular e moderna poesia brasileira, publicado em 1977 pela Vozes, na 5a edição pela Nova Alexandria. Ideias esboçada no “Curso de Introdução à Musica Popular Brasileira”, teatro Paiol, Curitiba do qual participaram Guerra Peixe, Sergio Cabral, Aloisio Oliveira, Tarik de Sousa, Ricardo Cravo Albim e eu.
[3] Em 1980/81 Drummond deu a ler parte de seu diário no JB. Depois publicou o livro O observador do escritório, que só vim a ler integralmente agora em 2013. Cortou do seu diário muita coisa que achava desnecessária ( ou que poderia lhe trazer problemas, afinal, era muito hábil). Há grandes vazios no seu diário que começa em 1943 e vai ate l977.
[4] Otto escrevia cartas aos montes. São seu verdadeiro diário.