Uma tempestade estremece o Cotolengo. Enquanto isso, diante de mim, uma lamuriosa página em branco espera, antipática, por minha crônica semanal. Que não sai, que não sai, que não sai. Onde encontrá-la? Onde se escondem as crônicas enquanto, às cegas, nós, miseráveis cronistas, as procuramos? Não deixam pistas, não nos ajudam em nada, nos enlouquecem. Para me distrair do desgosto, folheio os classificados do Diário da Noite. Esbarro então no anúncio salvador: “Terapia literária. Doutor Rugento Dias. Sigilo absoluto”. Há um endereço, na Rua dos Esquilos, a poucas quadras de minha casa. Por que não?
Subo a avenida, agarrado a meu guarda-chuva, mas cheio de esperança. A tempestade, felizmente, diminui. É o próprio doutor Rugento, com o paletó encharcado, quem me recebe. Acabou de chegar ao consultório e trocou os sapatos molhados por chinelos. A careca ainda exibe respingos da tempestade. Os cabelos molhados desenham em sua cabeça algo parecido com um polvo. Parece ofegante, mas não perde a pose. “O que o faz sofrer?”, ele me pergunta. Para disfarçar o susto, espero que, primeiro, ele me convide a entrar. “Por sorte, houve uma desistência. A paciente das duas está acamada.” Tudo me parece cada vez mais sem sentido. Tenho vontade de fugir. Mas, quando dou por mim, já estou deitado no divã de Rugento.
“O senhor sabe como é… Tento escrever crônicas, mas elas, teimosas, não me vêm”, desabafo, constrangido. “Ah, então o que o adoece é a crônica!”, o doutor comenta, sem esconder o entusiasmo. Conta, então, que é um leitor abnegado de Nelson Rodrigues e também de Rubem Braga. “É um campo que domino muito bem.” Mesmo deitado, tento tomar pé da situação, que é bastante incoerente. A sala de espera tem a aparência de uma simples sala de estar, eu me recordo. Não vi a mesa da secretária. Não vi diplomas nas paredes. Havia apenas uma televisão ligada, sem som, transmitindo uma partida de tênis. Enquanto falava comigo, o doutor balançava a cabeça para a direita e para a esquerda, seguindo o movimento da bola.
Agora examino o consultório de Rugento. As paredes estão sujas. O divã cheira a mofo. As cortinas, amarfanhadas. O próprio doutor vestiu, às pressas, um jaleco amarelado, com as mangas amassadas e a gola puída. Talvez eu seja o único paciente do dia. “Atrasado com minha crônica e visitando um louco”, eu me repreendo. Mas já estou aqui e agora preciso encontrar uma maneira de me livrar, o mais rápido possível, da situação. Sem ter decidido isso, começo a exagerar. “O pior são os romances, doutor. Esses realmente me fazem sofrer.” Um longo silêncio se segue, até que Rugento resmunga: “Seu caso parece grave. Grave e crônico. Recomendo sessões quatro vezes por semana”.
Acho, francamente, que enlouqueci. Por que não me levanto e vou embora? Talvez ele me cobre pela sessão — pronto, eu pago, perco dinheiro, mas me liberto do monstro. Penso em me erguer, mas não consigo fazer isso. Algo me prende ao divã gosmento de Rugento. “Talvez aqui haja, enfim, uma crônica”, ocorre-me. “Loucos sempre dão excelentes histórias.” Em nome da crônica, só para ser fiel ao meu instável destino de cronista, decido continuar deitado. “Que seja. Sofro um pouco, mas terei material para a escrita.” Um título logo me vem à cabeça: “Visita ao gabinete de um louco”. Se Rugento soubesse…
A voz do doutor é cada vez mais gaguejante. Parece sentir falta de ar. “Por que o senhor começou a escrever?”, ele me pergunta. Penso em falar do senhor Pereira, meu paciente editor-chefe, mas não quero envolvê-lo em uma história tão estúpida. “Escrevo crônicas desde menino”, minto. “Meu pai me proibia, mas mesmo assim eu persisti.” Sinto que o doutor se entusiasma, mas, quanto mais se entusiasma, mais débil me parece. A um ponto que decido me sentar no divã para observá-lo. Agora tem uma crise de tosse. Vejo que as águas da chuva ainda escorrem das barras de suas calças. “Não é melhor o senhor se enxugar?”, pergunto. “Não há problema algum, posso esperar que faça isso.”
“Deite-se”, o doutor me ordena com voz de carrasco, mas não o atendo. “Não me deito enquanto o senhor não se agasalhar.” Percebo que está trêmulo. A tosse não vai embora. “O senhor não quer se deitar um pouco?” — ofereço-lhe meu divã. Sem vacilar, ele aceita e trocamos de posição. “Só por alguns minutos”, ele murmura, enquanto se acomoda no sofá. Pergunto onde é a cozinha, pois quero lhe preparar uma xícara de chá. Pergunto também onde estão as toalhas secas. “Acabaram”, ele me diz, espremendo os olhos. Aponta-me, então, o caminho para a cozinha. É um cômodo apertado. A pia está cheia de panelas e pratos sujos. Uma gosma negra escorre do mármore até o chão. Um velho balde não basta para conter o vazamento que pinga do teto. Os armários não têm portas. Não há sinal de chá. Encontro apenas um vidro de café instantâneo, com que me consolo.
Volto ao escritório trazendo o café. Agarrado a uma almofada, o doutor dorme em sono profundo. Deixo a xícara na cabeceira e ouso me sentar em sua poltrona de terapeuta. As molas me espetam as nádegas e o estofado fede a álcool. Já que o doutor dorme, busco um livro para me distrair. Preciso vigiá-lo até ter certeza de que melhorou. Encontro, em sua estante, para minha sorte, um volume de crônicas. Mal começo a ler, o doutor Rugento desperta. “O senhor ainda aí?”, surpreende-se. Confuso, penso em sugerir que tome uma aspirina, mas, antes que eu faça isso, ele me pede: “O senhor poderia me contar uma história?”. É um desejo surpreendente, ainda mais para um homem que mal consegue manter os olhos abertos. “Que tipo de história?”, eu lhe pergunto, tentando ganhar tempo. “A que o senhor quiser. Mas não gosto de ficções, não gosto de mentiras. Gosto de crônicas. Gosto de histórias verdadeiras.”
Mais um infeliz que ainda acredita que as crônicas relatam a verdade. Mais um pobre iludido com os efeitos da máquina literária. Nesse caso, que história contar? Estou tenso demais para ter uma inspiração. Já não conseguia escrever minha crônica da semana, como conseguirei inventar uma história para um doente? Ocorre-me seguir a pista deixada por Rugento, que equipara a crônica à verdade. “Vou contar a história de um homem que sofria muito, a um ponto que decidiu ser o que não é”, eu lhe digo. Ele parece muito interessado. Agora piso um caminho sem volta. Fazendo adaptações aqui e ali, conto ao doutor Rugento sua própria história, ou o que consigo imaginar a respeito dela. Um homem perdido, na miséria, uma alma sem saída. Um leitor abnegado a quem, de repente, ocorre a invenção salvadora de uma terapia para escritores.
Para minha surpresa, Rugento parece muito interessado em sua própria história. Nela, o médico se chama Marcondes. Trocando detalhes aqui e ali, eu me ofereço ao doutor como um espelho. Quando termino, ele comenta: “Pobre homem, que vida atormentada. Quanta tristeza!”. Vejo que lágrimas verdadeiras escorrem de seus olhos falsos. Digo falsos porque já não sei mais quem é Rugento. Será ele, de fato, o personagem que inventei? Ou eu, um cronista medíocre, mesmo amparado em meu equipamento literário, sou incapaz de vê-lo? Um mal-estar insensato toma conta de mim. Começa com uma leve dor de estômago, que se espalha pelas pernas e se combina com um desânimo forte. “Preciso ir”, digo, enfim.
O doutor está mais calmo. Encolhido em seu divã, parece apaziguado pela história que lhe contei. Sem nada dizer, abraçado a sua almofada, ele pega no sono outra vez. Saio pé antes pé, mas às pressas. Preciso correr, porque ainda tenho uma crônica para escrever. Sobre o que, meu deus? A história do doutor Rugento é improvável demais, ninguém a levará a sério. Meus leitores me desprezariam. Preciso de uma história que pareça verdadeira, mas qual?
NOTA
A crônica Terapia literária foi publicada originalmente no Vida Breve