Quem se lembra hoje de Geraldo França de Lima, autor de onze romances, cuja carreira de escritor se iniciou em 1961, por empenho pessoal de um certo Guimarães Rosa?
Falemos sem rodeio sobre o quinto deles: O nó cego. Estamos no interior de Minas. Cristiana é filha única e herdeira universal do rico e poderoso dono da fábrica de tecidos, onde se emprega boa parte da população. O pai planeja casá-la com Bricinho, um moço de família que tinha uma perna atrofiada. Mas Cristiana prefere Olímpio, rapaz de classe social inferior, cujo destino (segundo ela) se ligava ao seu por um “nó cego”.
Entre esses dois eventos — o namoro com Bricinho e o matrimônio com Olímpio — há o drama decisivo, fundamental: certo dia, Cristiana acorda grávida de um desconhecido, de um homem cujo nome não revela. Tal fato frustra a pretensão paterna. Todavia, o pai reage, para salvar as aparências: manda a filha para longe. Cristiana sofre muito no parto, precisa ser sedada e, quando volta a si, recebe a notícia de que o filho nascera morto.
Esses são, contudo, meros precedentes, que servem para situar os protagonistas no corpo narrativo. O romance propriamente dito começa com uma crise entre Olímpio e Cristiana. O marido da herdeira perde de repente seu apetite sexual e deixa de ter relações com a mulher. Cristiana, personagem de forte impulso erótico (como os referidos precedentes sugerem), julga que o marido sofra de impotência; e adquire secretamente um manual sobre o assunto, com o intuito determinado de curá-lo.
Sobrevém, então, uma noite de amor. Cristiana exulta, no dia seguinte; mas Olímpio parece estar arrependido, até enojado. O conflito atinge o clímax quando ele se encanta por uma das empregadas da fábrica — Fifita, que as más línguas apontam como filha do padre, condição que a impede de ter vida social condigna.
O fluxo do romance se alterna entre a luta de Cristiana para convencer o marido a retomar o curso normal do casamento e a súbita paixão vivida por Olímpio. São duas personagens interessantíssimas e um tanto invulgares. Cristiana passa a ser, na cidade, uma defensora do lar e da moral católica: é contra o adultério; e também é contra a esposa que abandona a casa do marido adúltero. Todavia, negando o estereótipo das “carolas”, não abdica do que considera seu direito ao sexo, seu direito definitivo a Olímpio.
Este, por sua vez, também foge do tipo tradicional de marido pobre que se casa com moça rica; e que, mesmo tendo amantes, procura manter o casamento. Pelo contrário: Olímpio se sente oprimido por depender da mulher e do sogro. E sua paixão pela “filha do padre” é profundamente sincera, não se confunde com a do patrão assediante, que pensa ter direito sobre o corpo do empregado. Tanto que larga tudo por ela.
Em seu terço final, o livro ganha muito em tensão expectativa, ganha contornos de thriller. E o desfecho, então, é surpreendente — sem deixar de comover. É quando se confirma, à feição das velhas tragédias, o “nó cego” dos destinos. E Geraldo França de Lima conta essa tragédia de maneira simples, sem que o leitor se dê conta.
O nó cego foi publicado em 1973 pela José Olympio, tendo nessa mesma casa mais duas edições, ou reimpressões, em 1976 e 1979, saindo depois de catálogo. Nos sebos, o garimpeiro encontra facilmente exemplares entre R$ 10,00 e R$ 15,00.