21.03.1994
Jantar na casa de Stella Marinho para Romaric Buel. Falo com Cravo Albin sobre a possibilidade de ele doar sua fabulosa coleção de discos à Fundação Biblioteca Nacional (FBN). Possibilidade de convertermos em fundação a sua casa, sugeri patrocínio. Ele ficou encantado com a ideia. Chegou Renato Archer, da Embratel; quem sabe ele patrocina esse projeto?
Nesta semana veio me entrevistar Denis Moraes para uma biografia de Henfil. Sempre fui amigo de Henfil, desde o DM2 do Diário de Minas, que dirigi, onde de alguma maneira ele começou. São tantas estórias, dele do Betinho, etc. Mas me surpreendi como me esqueci das coisas.
Por falar em esquecimento, me lembrei agora da cerimônia na FBN em homenagem a Graciliano. Estavam lá parentes do romancista, amigos e o Nelson Pereira dos Santos. Pedia eu que as pessoas contassem o que sabiam sobre o velho Graça. Chegou a vez do Alberto Passos, a quem Graciliano dedicou Caetés. Chamei-o para falar, ele veio à frente de todos e ficou em silêncio. O chamado silêncio constrangedor. De repente, se explicou emocionado: “Desculpem-me. Não me lembro de nada”.
25.03.1994
Costa Rica. Festival de Poesia. Coisas/frases dos poetas no festival de poesia:
Juan Gelman (argentino), citando um comunista russo: “O futuro é incerto, mas o passado é improvável”.
Jorge Adoun (Equador) — me mostra a foto de um casal abraçado, mas abraçados há oito mil anos. Foram encontrados no Equador. Jorge escreveu um poema sobre a foto. Fizeram também um balé com o tema. Eduardo Galeano escreveu algo. Posso fazer uma crônica/poema.
29.03.1994
Inacreditável o que aconteceu após a conferência na Fundação Joaquim Nabuco/Recife, onde fui falar no seminário sobre Tropicologia, a respeito de “Carnavalização e sociedade brasileira”.
Presente um bom público. Noto que lá está Edson Nery da Fonseca, um dos mais respeitáveis intelectuais e decano dos bibliotecários, que certa vez, estranhamente, escreveu um violento artigo no JB sobre minha presença na direção da Biblioteca Nacional, alegando essencialmente que eu era um poeta que ele admirava, mas que não entendia nada de biblioteconomia. Isto foi chocante e surgia na hora em que o corporativismo dos bibliotecários se levantava aqui e ali, evidentemente me constrangendo.
O Edson na plateia, eu evitando olhá-lo. Alguém até me disse que ele pedira um exemplar de Poesia sempre, eu neguei, pois achava que ele ia me esculhambar de novo dizendo que a FBN publicava poesia e não coisas bibliográficas.
Como o avião da volta coincidia com o término da conferência, não pude conversar muito com as pessoas. Mas percebi que o Edson queria se acercar de mim. Chego ao aeroporto, entro no avião, relaxo e pego por acaso um jornal do dia. E aí vem a coisa inacreditável. Um artigo do Edson Nery da Fonseca se desculpando publicamente de ter me atacado injustamente. Eu nunca vi isto em nenhum lugar. A pessoa ter essa coragem de se retratar em público, elogiando o trabalho que estava sendo feito à frente da FBN. Começava assim: “Quem leu meus protestos contra a nomeação de Affonso Romano de Sant’Anna para a presidência da Biblioteca Nacional e sua permanência nesse cargo talvez estranhe o presente artigo. Pode até pensar que houve engano do jornal na atribuição da autoria. Puro engano. Como dizia Claudel, ‘reservo-me o direito de contradizer-me’”. E fazia uma autocrítica.
Vou lhe escrever uma carta fraterna.
22.04.1994
Colômbia. A Móbil Oil (Michel Morgan) oferece um jantar no Quatro Estaciones. A movimentação para os restaurantes foi feita num carro histórico, pois a Móbil Oil comprou o carro que teria sido de Somoza, um veiculo brindado. O ditador nicaraguense havia encomendado esse carro para se proteger. Não teve jeito. Mataram-no quando ele foi ao Paraguai, duas semanas antes de receber essa viatura. Muito estranho estar nesse carro.
Volto ao hotel e a TV anuncia que Richard Nixon morreu de ataque cardíaco.
24.04.1994
Emanuel Brasil passou comigo diante do Chelsea Hotel, em Nova York, onde ficavam artistas e onde Haroldo de Campos (literariamente) fez questão de se hospedar. O hotel hoje é uma espelunca. Quadros horríveis na parede, teto sujo. Fui até a um quarto para ver: até cortina de plástico rasgado tinha no banheiro. Saí correndo para onde estavam para o Olcott, perto do Central Park, onde estive com Marina noutra ocasião.
27.05.1994
Morte no trem. O trem vai partir entre Bruges e Frankfurt. Atrasou 40 minutos. Morreu uma pessoa. Chega a ambulância. Desceram médicos, enfermeiras, etc. Tudo silencioso. Pessoas discutem e olham à distância. Contemplam da janela do trem, da plataforma. Localizo uma linda mulher que eu e Marina admiramos. O que é a beleza! O que terá ela na cabeça? Como será que ama? É tão linda! Plácida. Tem um coque. Olhos azuis. Traços angelicais, perfeita de frente ou de perfil. Ela também olha a cena da ambulância. Um indiano olha. Um turco olha e fuma no vagão dos não fumantes.
Depois retiram o corpo involucrado e na maca. Não têm pressa. Já está morto. Olham todos. No Brasil a cena seria outra, barulho, movimento, emoção. A gente, todo mundo se indagando: Quem é? Como foi? Que idade tinha?
O corpo desce do trem para a ambulância. Alguém desce com uma bolsa e um casaco. Dever ser da morta.
O trem vai partir. A morta partiu antes.
16.07.1994
Olimpio Mattos, pesquisador da BN, traz 34 poemas/cópias de O momento feliz, de Drummond. Isto há três dias. É um poema sobre o tricampeonato em junho de 1970. Detalhe: CDA colocou um passepartout em todas as cópias dos poemas publicados no JB e colocou também dedicatórias para todos os jogadores e membros da seleção.
Combino com a TV Globo: mandarei um fax para Carlos Alberto Parreira (que é um dos homenageados de CDA) com cópia do poema e da dedicatória, convidando-o a receber o original na BN. A ideia é que todos os jogadores façam o mesmo, venham.