27.01.1986
Ontem à tarde fui à casa do capitão Sérgio (Macaco) Ribeiro para um jantar onde havia funcionários da Funai e do Ministério do Interior, para conhecer os dois pajés Sapaim e Rouani. Entrei, estavam todos em torno de uma mesa onde se comiam vários tipos de carne. Rouani comia com aquele adereço nos lábios. Viu quando entrei, mas depois que me assentei, continuou comendo de cabeça baixa os pedaços de galinha. Ele e Sapaim. Não pareciam tomar conhecimento de minha pessoa, e a rigor o capitão Sérgio não lhes explicou direito.
Contudo, depois fomos ao quarto do Sérgio para autografar meu livro, e ali Sapaim viu o retrato de sua filha (que morreu no colo de Sérgio) ao tempo em que Sérgio pulou de paraquedas entre os txucaramaes para evitar uma guerra com os índios tucanos.
Depois, fomos para o jardim, e cada um num banco, conversamos. Assentou-se também Acrocoro — semi-índia, estudante de antropologia em Belém. Rouani lembrou como virou pajé. É coisa recente. Um dia uma cobra lhe mordeu. Quando isto sucedeu, ele saiu de seu corpo, aí pegou um pedaço de pau e matou a cobra. Depois, ele voltou ao seu corpo, retornou à aldeia e aí um pajé o curou. Mamaé — o espírito — queria que ele fosse pajé. Sapaim diz que foi ele quem fez de Rouani um pajé.
Sapaim conta que quando menino não gostava de pajés. Tinha horror de fumaça. Um dia ouviu a voz de Mamaé chamando-o, ordenando que fosse pajé, mas resistia. Resultado: caiu doente. Ficou vários dias péssimo. Os pajés então se reuniram e um deles comunicou-lhe que ele devia ser pajé. Fizeram a cerimônia da fumaça (idêntica a que fez com Ruschi). O pajé tirou da perna dele o mal, a doença. Mostrou-lhe a substância retirada, soprou em cima, ela desapareceu. (Exatamente como ocorreu com Ruschi).
Pergunto-lhe o que fazer se eu quisesse ser pajé. Dizem que é só eu ir lá no Xingu e fazer a iniciação. Perguntam-me (entre convidando e desafiando): “Você aguenta?” Digo: “Aguento”.
A ideia me fascina e apavora.
A noite vem chegando, os índios têm que receber um telefonema do Tucumã (o grande chefe). No portão nos despedimos. E o capitão Sérgio durante algum tempo continuou a narrar as fabulosas aventuras de quem viveu na floresta ao tempo do PARA-SAR (a tropa de elite da Força Aérea Brasileira).
31.01.1990
Fomos jantar com Marília Pêra e Ricardo, seu marido, ex-psicanalista, Cacá Diegues e Renato Paulo Cesar (da rádio e TV), Moacyr Deriquem, Marilena Cury, convidado por Leonardo Loyo, lá no Maxim’s. Era aniversário de Marília. Ela queria externar seu agradecimento a mim pela força que lhe dei durante a eleição no episódio de patrulhamento do PT.
Contou como os petistas iam assistir ao espetáculo Elas por elas ostensivamente usando suas camisas e distintivos, interpelando na hora dos debates. O pior foi a passeata, pessoas vaiando do lado de fora do teatro. Contou que Gonzaguinha aconselhou-a a se aproximar de novo das esquerdas, a “telefonar” para o Chico. Apesar de ela ter se oferecido para cantar no show em benefício do filho de Nana Caymmi está duvidando se vai e se lá vão vaiá-la de novo.
Revelou que seu ex-marido Nelson Mota escreveu-lhe uma carta por causa do episódio Collor e mandou-a através da filha. Ela leu-a, disse à filha: “Devolve ao seu pai, que esta carta dele eu não quero guardar”.
05.01.2010
Jantando com Cezarina Rizzo e Celso Toledo no Antiquarius. Coisas engraçadas: Cezarina lembrando dos encontros dos quais participamos em sua casa, nos anos 90, em que lá estiveram juntos Ivo Pitangui, o pagé/shaman Sapaim e o Dr. Fritz. Narro isto num diário desses. Mas ela revela, coisa curiosa: Sapaim que curava todo mundo (veja-se o caso de Ruschi do qual participei) estava com a mulher doente e não conseguia curá-la. Dizia que tinha uma doença de branco. Pediu então ao Rubem/Dr. Fritz, que introduziu um objeto/agulha, bisturi, não sei sabe, no ventre dela e a curou.
Melhor: Sapaim pediu ao Ivo para fazer plástica. Dizia que não podia ficar com aquela cara enrugada, que ia prejudicar seu trabalho de pajé. O Ivo operou-o. Detalhe, sua mulher o largou depois.
Insisto com Cezarina para que escreva sua biografia.
05.04.2010
Posse de Dona Cleo na ABL. Fiz-lhe uma crônica no Estado de Minas/Correio Braziliense. Que estorinha cativante a que ela contou no seu discurso: o encontro de Alberto de Oliveira, ocupante da cadeira 8 onde ela está. Ele poeta famoso, príncipe dos poetas na época, e ela, menina de 9 anos, numa estância mineral em Minas. O poeta imponente, com bigodes, cabelo branco chegando ao hotel, todos querendo saber quem ele era. Sugeriram à menina que fosse olhar as etiquetas das malas. Ela voltou dizendo com a maior naturalidade: “É o Alberto de Oliveira”. Sabia quem era. Mais tarde, sua família vendo o poeta sozinho num canto do hotel mandaram a menina chamá-lo para se juntar ao grupo. Ela foi. Convidou-o. Ele negaceou, mas foi. E então a família pediu para ela declamar poemas dele. O que ela fez desenvoltamente. Vários poemas. Pediram que ele falasse um poema, ele declinou e disse um poema de Bilac. Depois comprometeu-se a autografar o livro de poemas para a menina. O que faria mais tarde, em São Paulo. Cleonice no discurso lê a dedicatória. Isto foi em 1926. Em 2010 ela assume a cadeira dele na ABL.