Fizemos a destacados escritores, editores, críticos, professores e jornalistas culturais brasileiros a pergunta:
Tendo em vista a quantidade de livros publicados e a qualidade da prosa e da poesia brasileiras contemporâneas, em sua opinião, a literatura brasileira está num momento bom, mediano ou ruim?
Márcia Lígia Guidin
Vamos dizer que o momento é mediano. Como, aliás, me parece, ocorre mundo afora. Momento ruim não é, porque alguns escritores destacam-se, do mesmo modo que em outros tempos e lugares. Os demais, como mostra a mais elementar história da literatura, irão, com ou sem estardalhaço, para os rodapés dos manuais. Não é ruim um momento brasileiro que premia Eucanaã Ferraz, grande poeta, ou nos reapresenta José Luiz Passos (emigrado há muitos anos). Mas também não é excelente.
O problema é que há muito joio nesses trigos dourados. Sobretudo na prosa, que floresce mais fácil. As publicações são numerosas, incontáveis volumes todo ano (é muito fácil publicar, quem diria…); excesso de contos, minicontos, microcontos… E a maioria é pernóstica, autorreferencial ou risível. Tenho lido coisas inenarráveis (sem trocadilho), longe da mão firme original e persuasiva de um escritor que incomoda. A obra só vale se continua a vibrar na minha cabeça. E certos autores se esquecem de que há, no mundo, leitores. Alguns navegam ainda na introspecção abismal (do século passado); outros, na fatigada miséria humana e urbana; outros continuam rimando amor com dor.
Porém, se obras alentadas aparecem lá e cá, ganham prêmios (sou grande entusiasta deles, pois oferecem balizas e polêmicas), como o belo Nihonjin, de Oscar Nakasato, ou o inesquecível Uma duas, de Eliane Brum, ou, ainda, os contos magníficos de José Rezende Jr., também reverenciamos o que não precisa de nós.
Quem me diz que Luis Fernando Verissimo, Dalton, Rubem Fonseca ou Ferreira Gullar precisam de mais prêmios? Devemos, sim, dar maior atenção aos novos. Olhemos para além de mandarins, pois estes já ganharam todas as batalhas, venceram todos os prêmios e têm o mau hábito de gerar epígonos. Que as comissões julgadoras de prêmios sejam competentes e equânimes (às vezes não são). Que os que escrevem tão bem continuem escrevendo e discursando apenas em boa hora e lugar. Que a crítica literária, tímida, seja isenta para justificar a excelência, ou, com todas as letras, ter coragem de mostrar ao autor ruim que ruim ele é. Que escritores não se movam em grupos, apenas se auto-elogiando. Que as incontáveis oficinas literárias sejam menos dogmáticas e dêem menos esperanças. Que os poucos agentes literários ou as grandes editoras ousem ler o novo. Que comunicadores, jornalistas, professores universitários não se sintam obrigados a produzir prosa ou poesia, pois a vida universitária abre horizontes de qualquer modo para o caráter difuso da cultura do povo. Que blogueiros ou facebookers não atribuam ao número de seus seguidores a verdade de seu talento.
A rigor, nada na cultura literária deste país parece pior do que em outros tempos. Quer dizer, não vejo evolução tampouco retrocesso. Apenas vivemos um mundo digital e outras plataformas. Quem duvide que leia Como e por que sou romancista, de Alencar, ou ria muito com as peripécias de nossa intelligentsia em A vida literária do Brasil – 1900, do Brito Broca.
Márcia Lígia Guidin é professora e editora da Miró
Thales Guaracy
Para mim, a melhor medida da literatura continua sendo o mercado. O resultado vale muito mais do que as opiniões sempre esparsas e subjetivas da crítica, que hoje em dia deveria ser mais crítica com relação a si mesma. A internet facilitou e ampliou a difusão da opinião e a criação de públicos, inclusive leitores, o que diminuiu ainda mais a influência dos chamados formadores de opinião.
Olhando para o mercado, pode-se dizer que a literatura brasileira hoje tem pouca importância, dentro e sobretudo fora do Brasil. Nas listas de livros mais vendidos, são poucos os autores brasileiros que se destacam. E a presença da literatura do Brasil fora do país é muito pequena. A venda de autores nacionais no mercado internacional é rarefeita e de resultados pouco relevantes.
Os dois maiores autores brasileiros, em termos de alcance junto ao público leitor, são ainda Jorge Amado, que conseguiu construir uma rede de amigos que o lançou mundo afora, e Paulo Coelho, graças a um esforço pessoal e um senso de oportunidade, que o colocou em destaque numa época em que a sociedade buscou inspiração no orientalismo. Ainda que muitos teçam intermináveis ressalvas sobre a literatura de Coelho, ou a maneira como conseguiu fazer seu marketing, ele é, queiram ou não, o grande autor nacional vivo.
O crescimento do mercado digital, que permite a venda de livros nos cinco continentes, sem as barreiras territoriais, pode ser uma boa oportunidade para escritores do mundo inteiro, inclusive os brasileiros. Seria importante termos autores nacionais de alta qualidade e com venda em massa, como já aconteceu na América Latina com Gabriel García Márquez, Mario Vargas Llosa e, em menor escala, José Saramago. Literatura de alta qualidade, que além disso pode vender muito bem. Ainda não temos, hoje, nada assim.
Thales Guaracy é editor e autor de Campo de estrelas (Globo, 2007)
Rodrigo Gurgel
Tenho de dividir sua pergunta em duas partes.
Em primeiro lugar, é preciso dizer que a crescente quantidade de livros publicados não tem nenhuma relação com qualidade, a não ser pela suposição genérica de que, quanto maior o número de livros editados, maior a chance de aparecer um bom autor.
É importante que o mercado cresça, que as linhas editoriais se diversifiquem, que as editoras deixem de publicar apenas o que é referendado por alguns professores de Teoria Literária, etc. Mas tal crescimento, sempre bem-vindo, não comprova, de antemão, o aprimoramento da literatura nacional.
Tratando agora da segunda parte, temos autores contemporâneos bons, medianos e ruins. Como tivemos e teremos sempre. A mediocridade e a mesmice dominam, é claro, como sempre dominaram e sempre dominarão. Mas hoje, ao falar sobre nossos contemporâneos, só podemos expressar julgamentos pontuais.
Percebo, por exemplo, que alguns começam a criar coragem para desagradar os críticos que só valorizam acrobacias lingüísticas ou literatura engajada, ainda que o populismo tenha contaminado parcela dos nossos ficcionistas. Há o princípio de um movimento no sentido de abandonar o que chamo de narratofobia, o vício de recriar a cada página um dialeto que só pode ser compreendido pelo escritor, por seus amigos e pelo professor de Semiótica. E já afirmei em outras entrevistas: há escritores corajosos a ponto de escrever com bom humor, sem se preocupar com discursos politicamente corretos, e outros, infelizmente em menor número, que já perceberam uma verdade: boa literatura não é, necessariamente, literatura niilista; um bom livro não precisa falar apenas de fracasso, vileza e perversidade.
Quanto ao julgamento amplo, o juízo sobre o que você chama de momento, esse só será possível no futuro, quando as próximas gerações puderem olhar para o passado com relativa isenção, livres das injunções que hoje nos pressionam.
Rodrigo Gurgel é crítico literário