Um boato de que a Alemanha Oriental estaria aceitando imigrantes judeus vindos da União Soviética para compensar a não participação nos pagamentos de reparação de guerra para Israel fez com que muitos judeus (vários não praticantes) fossem procurar uma vida melhor em Berlim no começo da década de 1990. Um deles foi Wladimir Kaminer, que com 22 anos da idade, um diploma recém obtido em dramaturgia e uma bagagem mínima cruzou fronteiras em busca de um sentimento de liberdade. Em Balada russa ele conta o que encontrou por lá.
Logo depois da chegada ao país, os imigrantes foram hospedados em abrigos enquanto esperavam para legalizar a documentação de permanência na Alemanha. Eram freqüentemente convidados a fazer parte dos grupos de judeus da cidade, sendo que na realidade vários nunca tinham sequer ido a uma sinagoga em toda a vida: tinham uma cultura própria e poucos falavam alemão.
As histórias desse grupo e suas experiências em uma nova cidade são narradas por Kaminer com humor e um pouco de ironia. E o formato de narrativa adotado pelo autor permite um aprofundamento curioso: por vezes, os textos parecem ser um relato cru da verdade, enquanto outros parecem tão incríveis como uma ficção. Oficialmente categorizado como livro de contos, é possível se perguntar quantos desses textos não poderiam ser lidos como crônicas.
A maioria deles tem o autor como um narrador em primeira pessoa, que se posiciona como observador da vida dos que o cercam. Casos de imigrantes em momentos diferentes da vida vão mostrando ao longo do livro a cultura russa se misturando com a alemã, assim como as pessoas se adaptando aos poucos à nova vida. A mistura da sinceridade do relato e o humor fez com que Balada russa se tornasse um best-seller na Alemanha.
Pode-se dizer que o livro se divide entre dois relatos principais: um deles com tom mais documental da vida dos imigrantes nos abrigos e sua inserção social no novo país, enquanto o outro conta casos absurdos.
Um desses casos diz respeito a um suposto amigo do autor, que sem conseguir legalizar os documentos de permanência seria deportado para a Rússia. Depois de permanecer um tempo na prisão, poderia ir acompanhado até seu apartamento para pegar seus pertences antes de partir. Com um esquema combinado com um terceiro amigo, o preso pularia da janela de seu apartamento e fugiria para não precisar sair do país. O plano deu quase certo, exceto que o amigo o esperava com um colchão na janela errada. O resultado foram alguns machucados, ossos quebrados e mais algum tempo de vida em Berlim.
Mosaico cultural
Não foram só imigrantes russos que chegaram à cidade durante esses anos. Vietnamitas, turcos, franceses e chineses criam uma multiculturalidade para Berlim. O texto Povos e modos de jogar, por exemplo, retrata a vida de cassinos e jogos em que vietnamitas e tailandeses basicamente controlam as mesas de Black Jack, enquanto russos são melhores no pôquer e alemães jogam de tudo um pouco. “A mesa de jogos de Berlim se parece às vezes com uma reunião extraordinária da Organização das Nações Unidas”, diz o autor.
Curiosamente, a nacionalidade do grupo poderia interferir até nos negócios. É o caso de um grupo de búlgaros que se passavam por turcos para ter um restaurante — acreditavam que comida turca venderia mais. O mesmo se repetiu com um restaurante italiano, dominado por gregos. Depois, o autor descobre ainda que os restaurantes de sushi são de judeus vindos dos EUA.
A mistura de povos e suas comidas, jeitos de se vestir e línguas marcam as diferenças culturais na cidade e se manifesta em diversos textos: é a cidade como um mosaico de pessoas. O autor consegue personificar essa pluralidade com personagens únicos e pitorescos. Assim, o leitor consegue acompanhar personagens que precisam abandonar suas profissões originais e se aventurar em uma atividade nova (caso de atrizes que trabalhavam em serviços de disk-sexo) ou casos amorosos que terminam e como as pessoas lidam com isso. Pode-se perceber ainda a quantidade de russos na cidade por um indicativo: existem programas de rádio ou televisão em russo, especialmente para eles.
Uma figura que permeia diversos textos é a noiva russa. O autor informa que os casamentos eram feitos a custo de muita burocracia: era preciso que o noivo comprovasse uma certa qualidade de vida para que conseguisse a mão da moça em casamento. Ironicamente, se apaixonar por uma dessas moças podia fazer com que o noivo em potencial se esforçasse muito mais na sua carreira.
A vida do narrador
Nos textos, o autor conta também muito da sua própria vida, suas impressões sobre Berlim, sua família e até sua esposa. Um dos exemplos é como ele conseguiu seu primeiro apartamento, com 25 metros quadrados: com a queda do muro, muitos moradores do lado oriental se mudaram rapidamente para o lado ocidental de Berlim ou até para outras cidades, deixando para trás apartamentos mobiliados abandonados. A situação foi uma oportunidade para vários imigrantes conseguirem uma casa para chamar de sua. Anos mais tarde, o governo criou medidas para legalizar a posse e o uso dessas moradias.
Outro exemplo é a maneira com que a mãe se adaptou à democracia. Depois de ter vivido sessenta anos da União Soviética, sem poder viajar para visitar uma amiga, descobriu que uma das maiores liberdades da democracia é o direito de ir e vir. Para aproveitar, desenvolveu um novo interesse: as viagens de ônibus, por várias cidades da Europa.
O livro é uma coletânea de boas histórias coletadas durante anos de vida russa em Berlim e contadas por uma testemunha ocular. Aqui, Kaminer revela como uma cultura não desaparece quando misturada com outra — pelo contrário, ela parece ainda mais forte fora de seu contexto original.