(…) Chegamos, é este o prédio, esta a entrada. Porta alta em vidro aramado, madeira meio podre. Atormenta-me a hipótese da impossibilidade do amor, o mal que faz essa consciência de tudo ser em vão, e querer ser amado, e uma falta de fé.” (…)
O individualista
Como um grande apreciador da arquitetura e, de forma mais acalorada, um amante incondicional da literatura, naturalmente sempre encontrei pontes de convergência entre estas artes. Na minha forma de ver, num primeiro momento, elas podem parecer disciplinas distintas e afastadas; uma, palpável e material, moldando o espaço que habitamos e, a outra, intangível e incorpóreo, dando forma aos nossos pensamentos e emoções. No entanto, aos olhos de ver, ou aos olhos de ler, constato que ambas, no espaço dos significados, podem ter parecenças.
Um edifício, assim como um livro, tem as suas linhas, curvas, proporções e camadas; carregam em si um significado mais profundo, evocando sensações e emoções àqueles que habitam nele, e noutros que esbarram na sua estrutura plantada no espaço público. A luz que incide sobre determinado espaço, assim como a sua antítese, a sombra —a projetar leituras de volumes e vazios no seu entorno espacial —, são exemplos flagrantes desta aproximação, quando a lemos com mais acuidade.
Não ficamos imunes quer a um, ou a outro elemento neste jogo de similitudes, indiferente à qualidade de cada um dos projetos. Um edifício, ou um livro, quando não tem o valor estético devido, acaba sempre por incomodar de forma negativa quem por ele passe; assim como o seu contrário, que é um deleite e nos faz bem no nosso íntimo espaço. Cada um, no seu reino específico, tem o seu poder de criar narrativas, e de guardar silêncios, gerar memórias, e de mudar estados de alma.
Não é esta a visão (pelo menos em boa parte) do arquiteto e escritor Nuno Matos Duarte. Para ele, a maior semelhança pode residir sob o ponto de vista da estruturação da criação e do pensamento, e ficam por aqui as analogias. Na prática, a arquitetura, “é uma antecipação da experiência a um nível mais profundo, e até da experiência psicológica e física da coisa em si (…) ou seja, quando desenho estou a pensar e a conceber espaços que não existem, e que de algum modo vão enquadrar o quotidiano dos futuros utilizadores desse mesmo espaço, e das pessoas que vão viver e experienciar esse espaço (…).”
Na literatura é o oposto, “no sentido em que parte da experiência é ela própria a experiência, porque se ela própria também não a for, não tem força para poder ser experiência para o outro; primeiramente para a pessoa que cria e depois para o outro. E é esta noção de experiência que é completamente deslocada de um ou de outro universo criativo”. No entanto, salienta que só pode falar da sua prática enquanto arquiteto e escritor, “são duas práticas muito peculiares e creio que não seria muito correto generalizar a minha visão aos modos de escrever de outras pessoas”.
Um edifício ou um livro, espaços que se aproximam ou estão em campos distintos; o que é certo é que, independentemente do cenário imaginado, em construção ou edificado; podemos encontrar sempre nestes terrenos férteis a mão de um criador que também, não obstante, nunca deixa de ser a criatura.

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