Josefa de Maltezinho

Ensaio fotográfico de Josefa de Maltezinho
Foto: Ozias Filho
01/12/2024

(…) E nós, ali, a assistir ao espectáculo em tempo real/(…)
a segurar cadáveres de rosto esquálido/
com as mesmas mãos que levam tiras de milho frito à boca (…)

Assistimos impávidos, autômatos, o que nos chega pelos meios de informação e depois, quando acaba a diversão do horário nobre — que atualmente é a qualquer hora, o celular é a prova da nossa conexão —, anestesiamo-nos um pouco mais antes de, bêbados de écrans, pensarmos que acordaremos para um amanhã mais novo, diferentes.

A mudança sempre está no amanhã, apesar de repetirmos capitalisticamente que não deixemos para amanhã o que pode ser feito hoje. O futuro virá, vem sempre, e nós, seres do passado, acreditamos que temos um presente ideal, pois a crítica construtiva já a fizemos num post das redes sociais, ou — no lado oposto — nos gabinetes de ódio, e da mentira, da desinformação.

Dia após dia, o Mundo é esse espetáculo, que nos passa como relâmpagos fugazes pela visão. Não há tempo para pensar, refletir com dialética as sombras que nos chegam da parede em frente aos olhos. A caverna de Platão nunca se fez tão próxima do nosso conforto cotidiano.

“Nós que estamos bem, temos casa, comida, estamos confortavelmente reunidos em família, e no fundo não nos falta nada (…) olhamos para a televisão, nas suas guerras diárias pela audiência, as tragédias do dia, e constatamos a notícia insensível; a dor do outro é constantemente banalizada.” É este o retrato registado pela escritora Josefa de Maltezinho.

A realidade é para ela, na verdade, um imenso filme (mal filme), com personagens boas, de um lado (onde nos inserimos; assim queremos acreditar), e as outras que mudam de cara conforme o enredo geoestratégico, e o que sobra, é a impotência frente às notícias, sem nada poder fazer pela dor do outro, “e desta forma, desliga-se a televisão e pronto desliga-se a consciência”.

Na verdade, o buraco da nossa rua continua tendo mais importância do que as vozes de dor trazidas pelos ventos das guerras ou outras tragédias. E por isso, a poesia (a escrita), evidencia Josefa, é esta forma de desabafo, de alguma terapia, e que carrega no seu âmago a esperança de que a palavra possa despertar consciências; que ela possa cumprir a real e solidária globalização, pois o nosso fado, quer se queira ou não, é sermos transnacionais. Não há soluções para o Mundo excluindo o outro.

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

 

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho
Josefa de Maltezinho
Pseudônimo de Julieta Aleluia, nasceu no Porto, mas vive em Aveiro. Professora do Ensino Básico, com formação na Universidade de Aveiro, dedicou grande parte da sua vida ao ensino, pelo que só em 2017 resolveu reunir e ampliar todo o trabalho de poesia. O primeiro de poesia chama-se Água corrente. Em 2016 com o livro, Maçã com bicho, publica o primeiro romance, a biografia de um sem-teto. Seguem-se na poesia, Porque um rio também se cansa; Otoño de Visita, na Espanha; Uma garfada de sol no umbigo; Fracturas expostas, e em 2024, Solidão assistida ou A brutalidade do quotidiano.
Ozias Filho

Nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1962. É poeta, fotógrafo, jornalista e editor. Autor de Poemas do dilúvioPáginas despidas, O relógio avariado de DeusInsularesOs cavalos adoram maçãs e Insanos, estes dois últimos, em 2023). Como fotógrafo tem vários livros publicados e integrou a iniciativa Passado e Presente – Lisboa Capital Ibero-americana da Cultura 2017. Publicou em 2022 o seu primeiro livro infantil, Confinados (com ilustrações de Nuno Azevedo). Vive em Portugal desde 1991.

Rascunho