Jabuti dá sinais de cansaço…

O Prêmio Jabuti, concedido pela Câmara Brasileira do Livro, começa a dar sinais de fadiga
Moacyr Scliar, autor de “Éden-Brasil”
01/06/2000

O Prêmio Jabuti, concedido pela Câmara Brasileira do Livro, começa a dar sinais de fadiga. Tido como um dos mais prestigiosos prêmios da literatura brasileira, mostrou, na sua última lista, uma previsibilidade capaz de premiar obras pífias como A Mulher que Escreveu a Bíblia (Companhia das Letras, 216 págs.), de Moacyr Scliar. Scliar é um grande escritor, não há dúvida, mas se a CBL quer, com o Jabuti, homenagear o autor, que crie um prêmio especial.

A Mulher que Escreveu a Bíblia nada mais é do que um folhetim, na pior acepção do termo. Trata-se de uma história nem um pouco original, já que seu argumento foi publicamente tirado de O Livro de J, do crítico americano Harold Bloom, que defende a tese de que foi uma mulher que escreveu o Velho Testamento. Como trato da linguagem, A Mulher… não fica a dever nem um pouco a Paulo Coelho no quesito lugar-comum.

Scliar, para criar um contraponto à idéia bastante incongruente de uma mulher culta o suficiente naqueles primórdios, a ponto de escrever uma das obras-chave da civilização ocidental, descreve-a como feia. Mas não feia, muitíssimo feia. Horrorosa, segundo o autor, é pouco para se ter uma idéia da feiúra de J. As feministas protestaram, não sem um pouquinho de razão. Afinal, por que a mulher tem de ser feia para ser inteligente? Bem, o que Scliar faz, com este expediente, é tão-somente redundar o clichê machista.

Clichês, aliás, não faltam ao livro, que em nenhum momento faz jus à prosa de seu autor. A Mulher… descreve o harém do rei tal qual nos piores filmes hollywoodianos do gênero. Além disso, o cotidiano da pequena aldeia da qual J. é oriunda se resume a sexo às escondidas. Aliás, Scliar faz questão de mostrar J. como uma mulher consciente de seu corpo e, para não usar nem um tipo de eufemismo, ninfomaníaca. Para se ter uma idéia, J. faz sexo com uma pedra!

Como pesquisa para a confecção do livro, Scliar deve ter consultado o Dicionário de Clichês. Sim, porque, não bastasse a mulher como sendo feia, o harém como sendo tirado de uma ilustração de As Mil e Uma Noites, a pedra e outras coisinhas mais, Scliar apela para o mais-do-que-conhecido artifício de ser o livro na verdade um relato de uma pessoa que se submeteu à terapia das vidas passadas.

Só posso entender este A Mulher que Escreveu a Bíblia como um livro caça-níqueis, feito antes para engordar a bibliografia e a conta bancária do autor, do que como um exercício pleno de literatura. Nada podemos especular sobre a conta bancária de Moacyr Scliar, mas é fato que o escritor gaúcho em nada precisava de um livro tão pequeno na sua bibliografia de obras como O Centauro no Jardim e A Estranha Nação de Rafael Mendes.

Ao vencer o Prêmio Jabuti 2000 sobre bons nomes da nossa literatura (entre os concorrentes estavam Romance sem Palavras, de Carlos Heitor Cony, Lúcia, de Gustavo Bernardo e A República dos Bugres, de Ruy Tapioca), Scliar ganhou um troféu e algum dinheiro. Que não serão suficientes para tirar A Mulher que Escreveu a Bíblia do eterno (assim seja!) limbo dos maus livros.

Paulo Polzonoff Jr.
Rascunho