O Fabuloso João

Pertencente a chamada geração de 45, pós-modernista, João Guimarães Rosa impressiona a todos os críticos com sua escrita, ele conseguiu, com muita originalidade recriar a linguagem regional universalizando-a
João Guimarães Rosa, autor de “O burrinho Pedrês” e “Estas estórias”
01/06/2000

Pertencente a chamada geração de 45, pós-modernista, João Guimarães Rosa impressiona a todos os críticos com sua escrita, ele conseguiu, com muita originalidade recriar a linguagem regional universalizando-a. Nascido no interior de Minas Gerais, filho de um pecuarista, graduou-se em Medicina, trabalhou em várias cidades do interior mineiro, demonstrando sempre profundo interesse pela natureza. Em 1934, iniciou carreira diplomática, prestando concurso para o Ministério do Exterior — serviu na Alemanha durante a II Guerra Mundial, mais tarde chegando a ser nomeado ministro. Já no seu primeiro livro — Sagarana —em 1946, um mundo de fantasia e realidade é maravilhosamente desvendado. Nesta obra-prima, encontramos um conto onde o autor deixa de certo modo a objetividade da arte-pela-arte e entra em região quase épica da humanidade e cria um dos grandes tipos da nossa literatura: A Hora e a Vez de Augusto Matraga, considerado pelos maiores críticos e literatos como um dos dez mais perfeitos contos da língua portuguesa. O sertão místico, a recriação da fala do sertanejo, o narrar o inenarrável, o responder-perguntar levando à reflexão, o pacto com o diabo, todos temas universais que permeiam a obra rosiana. Por meio da revalorização da linguagem em seguida a universalização do regional, encontramos em Guimarães Rosa uma prosa poética, comum entre os grandes escritores, particularmente, em sua obra não encontramos arcaísmos rebuscados, muito embora é sabido sua ligação com o estudo de línguas clássicas, inclusive o “Romanso”, que é o português antigo, base lingüística do sertanejo. A grande qualidade dele é a recriação e invenção de palavras, o neologismo que tem como ponto de partida a fala dos sertanejos, suas expressões e particularidades. A revolução lingüistica de Guimarães Rosa reveste-se, de certa forma, de um sentido de protesto contra a sociedade unidimensional e tecnológica. Com seu estilo imprevisível (hífens, pontuação própria, mutações semânticas etc.), reage as regras que padronizam escrever. Outro importante aspecto lingüistico deste autor é o uso de recursos comuns à poesia, tais como o ritmo, as aliterações, as metáforas e as imagens, obtendo uma prosa altamente poética. A aproximação prosa-poesia, aliada à profunda pesquisa psicológica de suas personagens, rompe com a tradicional forma de narrar por meio de violentas digressões. Os valores espirituais, humanos e culturais de um povo em transição são colocados em evidência em sua linguagem, revelando a transformação acelerada de uma estrutura agrícola para a urbanização industrial. Sentimos o cheiro da terra em seus livros, despeja nomes de tudo — plantas, bichos, passarinhos, lugares, modas — enrolados em locuções e construções de humilhar os citadinos. “Irra, que é talento demais”. Sagarana não é um livro regional, transcende a região, a província rosiana, no caso, Minas é menos uma região do Brasil do que uma região da arte, seus interlocutores gastam provérbios e locuções e outras tantas parábolas como se alguém falasse no mundo deste jeito. Mistura em sua paisagem plantas, flores, passarinhos que colecionou que não são pertinentes a lugar nenhum especificamente. Ele atinge o ideal da expressão literária regionalista. Densa, vigorosa, talhada no veio da linguagem popular e disciplinada dentro das tradições clássicas. Mário de Andrade, se fosse vivo, leria comovido este resultado esplêndido da libertação lingüistica. Transparece em sua obra o misticismo do sertão, uma religiosidade quase medieval, baseada apenas nos dois extremos e marcada pelo medo, pelo pavor, a preocupação de não invocar o nome do demônio para que ele não “forme forma “. Daí o diabo ser tratado por “o que não existe” ou ”o que não é mais finge ser”. Assim é o sertão de Rosa: ora particular, pequeno e próximo, ora universal e infinito, pois “o sertão é o mundo” ,ou melhor, ”o sertão é dentro da gente”. Depois de Sagarana ainda escreveu Corpo de Baile, Grande Sertão Veredas, Primeiras Estórias, Tutaméia, morreu no Rio de Janeiro três dias depois de empossado na Academia Brasileira de Letras. Carlos Drummond de Andrade dedicou um poema ao verdadeiramente imortal Guimarães Rosa, Um Chamado João: ”…João era fabulista? fabuloso? Sertão místico disparando no exílio da linguagem comum?…”, e outro poema, este epígrafe do conto Barra da Vaca, do livro Tutaméia: ”Quando eu morrer, que me enterrem na beira do chapadão — contente com minha terra, cansado de tanta guerra, crescido de coração.”

Juarez R.
Rascunho