Aforismos desaforados

Aforismos de Manoel dos Santos
01/05/2000

Os jornalistas resolveram os problemas cruciais do conhecimento. Ao invés de uma memória fantástica, nascida de longos estudos, exibem o seu grande tesouro: a agenda, sem a qual não existe jornalista. Ali estão os nomes das pessoas que sabem, ao jornalista basta apenas entrevistá-las.

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A globalização é uma invenção do jornalista, que fala de um livro publicado em Nova Iorque como se pudesse ser lido pelo Manoel da mercearia.

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Na província, o leitor é um ser invisível, etéreo e, portanto, inexistente. Ele só ganha materialidade quando o escritor comete algum erro. Daí o leitor aparece e esfrega o pequeno equívoco no nariz de quem escreve.

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Um traço da personalidade do paranaense. Lemos os livros de nossos amigos não por deleite, mas para descobrir os escorregões do pobre diabo.

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Depois de distribuir centenas de seus folhetos, o maior contista da língua portuguesa não recebe nenhum comentário. Escrever bem, no Paraná, é autoexilar-se.

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Damos espaços aos medíocres na mídia só para depois poder comentar a mediocridade deles.

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Todo grupo de curitibano é uma pequena Boca Maldita. A maledicência é nossa maior ciência.

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Quanto melhor o texto, mais mal ilustrado ele será. A qualidade da ilustração é inversamente proporcional à do texto. Que Deus nos dê a graça de sermos sempre mal ilustrados!

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Escreva um artigo sério que o ilustrador faz alguns rabiscos infantis. Escreva algo alegre e a ilustração sai melancólica. Ah, nossa suprema arte de jogar areia no tanque do carro alheio.

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Curitiba tem uma grande tradição gráfica porque lhe falta uma tradição literária.

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A vanguarda democratizou as letras. Quem não sabe escrever, pode agora ser um escritor cult.

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Depois de anos escrevendo nos jornais e de alguns livros publicados, os teus conterrâneos, quando te encontram, perguntam sempre o que tens feito.

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O escritor local evita ler seus pares para não correr o risco de descobrir que existe alguém maior do que ele.

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A popularização dos cursos de pós-graduação deu margens para que analfabetos escrevessem. Somos hoje um inculto país letrado.

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Num trabalho acadêmico, a leitura começa pelo fim, ou seja, pela bibliografia. E ai de você se não encontrarem citados os nomes da moda.

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Numa tese, não importa a propriedade do que fica dito, mas a forma de dizer e as citações colhidas ao acaso. Todo o saber acadêmico é um monumento ao nada.

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O livro mais lido na universidade é o Dicionário de Citações.

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A ciência universitária nada mais é do que a rarefação do lugar-comum.

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O jornalista escreve mais do que lê. O jornalista sequer lê o que ele próprio escreve.

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O crítico é o jornalista da literatura.

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O jornalista só lê quando está pautado. Quem pauta o crítico é o mercado editorial.

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Quem aprendeu a ler para aprender algo nunca de fato aprendeu a ler.

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Teste de vocação:

Se você ri a todo momento: torne-se um músico popular.

Se você ri ao olhar-se no espelho: dedique-se ao teatro.

Se você ri quando vê alguém tropeçar: siga o caminho da crítica.

Se você ri quando os outros riem: siga a carreira jornalística.

Se você fica sério quando todos riem: siga a carreira universitária.

Manoel dos Santos
Rascunho