Aforismos desaforados

Aforismos de Manoel dos Santos
01/07/2000

Nunca aceitar convite para jantar com artistas. O prato principal, a vaidade que distingue a classe, será sempre servido requentado.

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Morar em Curitiba evitando Curitiba, procurando encontrar as outras cidades que confluíram para cá.

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Quero vomitar biblicamente nos oportunistas da cultura, para manchar seus ternos brancos com o verde visgo de meu sacro vômito.

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Kafka dizia que ganhar dinheiro podia ser muito fácil e isso era algo assustador. O difícil é deixar de ganhar dinheiro para ser um grande escritor.

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Nunca vi uma única peça de teatro por não suportar o convívio humano. Os livros me dão a arte sem a proximidade entediante desta gentinha cosmopolitamente provinciana.

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Todos os meses recolho as revistas sobre tevê para limpar meu rabo com a foto de grandes personalidades.

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Pelo menos uma vez ao dia é saudável vomitar nos pés de alguém, para deixar bem claro que você não pertence ao rebanho dos civilizados.

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Sem nenhuma outra possibilidade de rebeldia, picho os muros com um forte jato de mijo.

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O Cristo que me é mais próximo é o que expulsa os vendilhões do templo — com os olhos reluzindo de sagrada indignação.

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Uns escrevem literatura com o pau, outros com o rabo e outros com a vulva. Eu escrevo com estas duas mãos amputadas.

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Um dia eu pensei que te amava. Hoje ainda penso que te amo. Logo descobriremos que esse amor foi uma mentira, mas será melhor continuar assistindo ao passar lento de nossas vidas.

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Eu sempre quis matar, mas não suportaria tirar a vida de alguém. Por isso não me tornei assassino, apenas um observador atento do crime.

 

Manoel dos Santos
Rascunho