Logo que me mudei para o Condomínio dos Esquilos, há pouco mais de um ano, uma mulher nariguda, com pose de pitonisa, abordou-me na portaria para resmungar: “Melhor não dirigir a palavra ao Sr. Asbul, do 103. Nem mesmo o cumprimente. Se fizer isso, você será visto como louco”. Sem entender muito bem, respondi com um sorriso ambíguo, na esperança de que ela, apaziguada, desistisse de mim.
Não costumo seguir conselhos dados por desconhecidos, muito menos tenho o hábito de deixar que interfiram em meus sentimentos, mas a voz roufenha da nariguda, como uma dessas brilhantinas que não diluem nem mesmo depois de duas enxaguadas, continuou a me perturbar. Emplastrou meus pensamentos e, quando entramos nesses estados entre a consciência e o torpor, que são mesmo perigosos, o mais prudente é reagir imediatamente.
Resultou disso a idéia fixa, misto de curiosidade e vingança, de conhecer o Sr. Asbul que, o porteiro me explicou, morava, num apartamento de fundos, o 103, e a respeito de quem pouco se sabia, pois levava vida reservada. Lidei com esse pensamento, que a cada dia me parecia mais irresistível, por um bom tempo.
Por fim, procurando de fato um locatário para minha vaga de garagem, resolvi tocar a campainha do 103. Fui atendido por uma mulher magra, com o rosto cheio de estrias, que agia como a dona da casa. “O Sr. Asbul não está”, ela me disse, e os sulcos de sua pele se mexeram, latejando para os lados, a testa transformada em fole.
Explicou-me, sem muita paciência, que o Sr. Asbul passava a maior parte do dia fora, na periferia, caçando borboletas. E que, quando estava em casa, não costumava receber visitas. Começava a detalhar o interesse do Sr. Asbul pelas aves ornamentais quando uma voz retesada, e impaciente, ecoou atrás dela: “Vamos, deixe-o entrar de uma vez”.
O Sr. Asbul deu ordens à mulher que nos servisse dois copos de leite. “Traga também umas cebolas assadas”, continuou. Ele usava um roupão turquesa, com motivos geométricos e tinha olheiras de perdigueiro que escorriam pelas bochechas.
“Não tenho automóvel. Aliás, não dirijo”, disse logo. A advertência tornava ainda mais misteriosos os motivos que o levaram a me fazer entrar. “Bem, nesse caso…”, comecei a dizer, mas ele me interrompeu: “Fique, vamos tomar um leite e mascar umas cebolas”. A combinação, que me pareceu repulsiva, talvez fosse um primeiro sinal da loucura apontada pela pitonisa de portaria. A empregada trouxe uma travessa cheia até a borda com cebolas inteiras, assadas e embebidas em óleo, dispostas entre folhas de hortelã. Dois copos de leite gelado completavam o lanche.
Dei um primeiro gole e o leite me pareceu temperado com querosene, ou algum destilado menos nobre do petróleo. Provei uma das cebolas, e o gosto, que me fazia recordar os postos de gasolina, se acentuou. “Na verdade, acabei de jantar”, desculpei-me.
“Você já deve ter ouvido falar coisas a meu respeito”, o Sr. Asbul tratou de dizer. “Coisas não muito lisonjeiras”. Admiti que, de fato, ouvira, por acaso, um ou dois comentários não muito abonadores a seu respeito, mas acrescentei que não lhes dera atenção. “O senhor sabe, dizem muitas coisas”, só consegui dizer.
“Vamos ser mais claros: afirmam que sou louco, não é isso?” Senti-me obrigado a concordar. “Sim, foi o que ouvi, para dizer a verdade”. O Sr. Asbul se ergueu e só nesse momento observei sua imensa barriga, que forçava o cinto do roupão e lhe emprestava a aparência de um bebê. Um bebê envelhecido. Foi até a janela e ali ficou por um tempo, contemplando a parede cinzenta do prédio vizinho, como se fosse um esplêndido céu estrelado.
Naquele momento, comecei a considerar a hipótese de que, talvez, a pitonisa de portaria pudesse ter razão. “Quem disse que sou louco talvez tenha sido uma velha nariguda”, o Sr. Asbul prosseguiu. Continuei em silêncio, mas senti um travo que me amassava a garganta e me empurrava a língua contra o céu da boca. “Foi ela?”, o Sr. Asbul perguntou, agora num tom áspero. Com o roupão esgarçado, eu podia ver uma ponta de suas cuecas, que eram de bolinhas. O bebê expunha suas intimidades. Desviei os olhos.
“De fato, foi ela”, eu disse por fim, disposto a não contrariá-lo, pois loucos não devem ser contestados. O Sr. Asbul apanhou uma cebola, uma das maiores e, sem cortá-la, a colocou na boca. E, de boca cheia, disse: “Aquela mulher”.
Ouvi o barulho de uma chave, que era introduzida na fechadura da porta de entrada. A porta rangeu antes de se abrir, como se há muito ninguém passasse por ela. “Oi, meu querido”, a pitonisa de portaria disse, um pouco ofegante, assim que entrou. Cumprimentou-me com a cabeça, desinteressada, jogou um beijo insípido para o Sr. Asbul e sumiu pelo corredor escuro.
“Foi ela, não foi?”, o Sr. Asbul comentou, sem poder conter um sorriso de esquilo. Bem, nós estávamos (e eu ainda estou) no Condomínio dos Esquilos. Aquilo fazia sentido.
Só por delicadeza, dei mais um gole em meu copo de leite e, sem chegar a responder, me despedi. “Falamos outra hora”, o Sr. Asbul disse, visivelmente satisfeito com meu silêncio.
Alguns dias depois, soube que o Sra. Asbul assassinara o marido, a golpes de martelo de cozinha. A empregada, com a face cheia de estrias, foi autuada como cúmplice. As duas fugiram. Talvez fossem amantes.
Disseram-me na portaria, dias depois, que a filha do Sr. Asbul, uma certa Antonieta, se mudará para o apartamento do falecido pai. Um sujeito de costeletas ruivas, que mora no sétimo andar, anda sempre de branco e talvez seja um médico, me advertiu: “Parece que ela se droga. E que, quando se droga, chuta as paredes”.
Desde então, não falo mais com vizinhos. Sei que afirmam que sou louco, que ninguém deve me dirigir a palavra, mas isso não me diz respeito.