Novas histórias onde não se criava mais

Quem se aventura pelas letras tem a impressão de que todas as histórias já foram contadas, recontadas e requentadas para dar forma a livros, contos, crônicas, causos e cordéis
O jornalista Sérgio Rodrigues tem a virtude de juntar em suas narativas o inusitado, o engraçado, o dramático, sem no entanto “desandar a maionese”
01/09/2000

Quem se aventura pelas letras tem a impressão de que todas as histórias já foram contadas, recontadas e requentadas para dar forma a livros, contos, crônicas, causos e cordéis. Mas há quem consiga escapar desse deserto de novas idéias, mostrando que sim, é possível escrever sobre coisas novas. Afinal, o mundo muda a cada dia, novos sentimentos nascem embalados pelos contatos cibernéticos, pelas telecomunicações e pela pressa urbana, e seria muita pretensão achar que, em um cenário onde a única certeza é a data de validade das coisas, não há mais nada a ser escrito.

O livro de estréia do jornalista carioca Sérgio Rodrigues, O Homem que Matou o Escritor (Objetiva, 128 pág.), prova que há sim muito o que contar sobre o que está acontecendo, e mesmo sobre o que supostamente aconteceu. Isso porque Rodrigues tem a virtude de juntar em suas narrativas o inusitado, o histórico, o engraçado, o dramático, sem no entanto “desandar a maionese”.

O Homem… traz cinco contos escritos por Rodrigues, aparentemente sem ligação entre eles, além da sensibilidade e do humor às vezes negro, às vezes non-sense. Sim, pois apesar de todos terem crimes ou mortes insolúveis e dramáticas, não há como evitar que os lábios formem um riso a cada ponto final.

O primeiro conto é O Argumento de Caim, ambientado no Rio de Janeiro de 1979. Nele, junto com um jornalista/escritor vivendo problemas existenciais, abandonado pela mulher, passeiam personagens famosos como Nelson Rodrigues, Otto Lara Resende, e outros famosos jornalistas/escritores da época. O ritmo com o qual Rodrigues começa a história já é um indicativo do que está por vir. Ele é rápido, não vacila com as palavras, não as gasta em palavrórios sem sentido. Em suma, “cai matando”. O jornalista/escritor, também Don Juan das noites cariocas, reflete em breves páginas a breve existência das celebridades: o início, a fama, e o final, neste caso trágico, mas ainda assim cômico.

O segundo conto do livro, Ana: Telas, Janelas, é menos engraçado, mas nos mostra o quanto as primeiras impressões podem ser falsas. Ana é mulher, escritora, está em casa, e aparentemente trabalha em seu microcomputador uma história sobre sua vida, seus amores, sua família. Mas a maneira como Rodrigues arquiteta as palavras, desnuda o que parecia ser tudo normal. Anseios suicidas, ódios, prazeres escondidos, um crime dentro da família, ele tudo conta mas sem usar todas as palavras para isso. A sugestão de que isso aconteceu é mais forte do que a revelação.

O terceiro conto, Filós’fo, é o mais fraco do livro. Ele conta a história de um favelado no Rio que, com pintas de grande sábio, sabe que não sabe quase nada. O pecado de Rodrigues é tentar usar a metalinguagem, misturada com o livro que o filós’fo está escrevendo sobre sua vida, para contar a vida de um personagem inusitado, um intelectual nos morros do Rio. Mesmo que a história seja boa, fica faltando algo para que ela desça redonda goela abaixo.

O conto mais longo do livro, e também o melhor, é O Retiro dos Macacos Artistas. É o melhor porque consegue sintetizar o drama dos exilados econômicos do Brasil, fruto de seguidos planos de estabilização econômica malsucedidos, o brilho fugaz das artistas de cinema, ainda que simiescas criaturas, a falsa escapatória que é a vida no exterior, e a crueldade das soluções que a vida nos dá. A história é inverossímil, talvez por tratar animais como seres humanos, mas se lembramos certo ex-ministro do trabalho, que disse que cachorro também é gente, lembramos que a fronteira entre o crível e o incrível é praticamente inexistente.

Por fim, O Homem que Matou o Escritor, conto que dá título ao livro, mostra o drama do escritor que, sabendo-se um medíocre em belas letras, se apodera da obra de seu vizinho e vira uma estrela da noite para o dia. Não há crime nesse caso, pois o vizinho já estava morto quando o escritor descobre seus originais. Mas há um peso na consciência, de saber que não foi seu trabalho quem lhe trouxe a fama. A culpa o atormenta, até o ponto em que ele escreve sua carta de confissão para que todos saibam ser ele um inútil.

O fio condutor de todos os contos de Rodrigues é a rapidez com que as soluções são encontradas. Soluções para os problemas mais urgentes de cada história, não para os grandes dramas da vida. Todos os finais têm um componente trágico, que nos assusta seja pela violência com que acontecem, seja pelo inusitado. Rodrigues é rápido no gatilho, e mesmo quando narra histórias de 21 anos atrás consegue dizer que, sim, já faz tempo, mas poderia ser agora, pouca coisa mudou nesse sentido.

Há um único problema no livro de Rodrigues: ele é curto demais. Os cinco contos são devorados na mesma velocidade com que se passam as histórias. Ao final do livro, dá uma vontade de virar a página e encontrar mais outra viagem. Esperemos, pois, a próxima cria de Rodrigues.

Adriano Koehler

É jornalista. Vive em Curitiba (PR).

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