Toque outra vez, mas agora com mais atenção
ao movimento no seu começo embutido no tempo
– que merece menos a tua atenção.
Toca outra vez, sem olhar para o dedilhar
– mas esquecendo a ponta dos dedos
de onde o som flui, misteriosamente.
Toca outra vez, mas com aquela espécie
de ausência do coração que esquece
a que rosto pertence.
Toca outra vez, menos e menos atento
às notas, ao compasso que demarca
uma estrutura que é toda de silêncio.
Toca outra vez, e, ao terminares,
não perguntes pelo que eu penso,
mas apenas sente o que acontece
na sala, estranhamente, enquanto
o som fica suspenso em ti, em mim
e em tudo que nos cerca.
Os versos são do escocês Alastair Reid (Whithorne, 1926) – e o título do poema é A Uma Criança ao Piano.
Ao violão de Baden Powell, acrescento esse imaterial piano da mente do poeta (uma das vozes mais puras da lírica britânica mais recente) – porque são ambos afinados instrumentos que se escuta para melhor ocupar a sala de música do silêncio.
A Uma Criança… é um desses poemas que comprovam ser, a poesia, artigo de primeira necessidade – ainda – enquanto a platéia puder bater palmas com aquela mão, sozinha, da angústia de Salinger.
É possível? E a poesia é necessária?
No Fedro, Platão nos lembra da utilidade do possesso “do delírio das musas” que se “apoderam de uma alma sensível, despertam-na e extasiam-na em cantos e em toda sorte de criações poéticas; e ela, a alma, enquanto glorifica os inúmeros feitos do passado, educa a posteridade.” Na época de Platão, os poetas mereciam o respeito ao menos como pedagogos, e não precisavam de mendigar a atenção dos alunos desatentos, dedilhando
o “bife” em Steinways quebrados. Dois mil e quinhentos anos depois do filósofo de Atenas, o angustiado Carl Jung via o desenho final da crise da civilização se anunciar na crescente “incapacidade de introspecção” (do homem moderno). Sem o horizonte das virtudes heróicas – para o cântico das quais os gregos precisavam dos aedos –, o poeta vaga, hoje, num limbo onde seu instrumento toca, baixo, para a lua da tristeza, principalmente.
É desnecessária a poesia?
Segue-se a “peleja” de um Crítico Azedo contra o otimismo (relativo) de Um Poeta Americano Moderno – antes da chegada de Lampião No inferno (passando tudo que é poeta no fio da “peixeira”).
ooooOoooo
Joseph Epstein (editor de The American Scholar e professor universitário em Evanston, Illinois): “Por mais homenageada que ainda seja a poesia contemporânea, ela floresce num vácuo. Ou seja, a poesia, fora de um círculo muito pequeno, dificilmente é lida. Ela já não faz parte da dieta intelectual regular. Outrora, o povo em Londres ficava na ponta dos pés para ver Tennyson passar. Hoje, um figura como Tennyson talvez não escrevesse poesia e talvez nem a lesse.”
Donald Hall (um dos novos poetas americanos mais notáveis, aclamado e premiado etc): “Há alguns anos, uma publicação da indústria editorial publicou uma lista dos melhores bestsellers em brochura de todos os tempos, começando com The Joy of Sex, que vendeu milhões, e recuando até livros que venderam 250.000 exenplares. Acontece que eu tomei conhecimento da relação logo depois de saber que Coney Island of the Mind – o belo livro de poemas de Lawrence Ferlinghetti – vendera mais de um milhão de exemplares. Mas como o livro era de poesia, a publicação entendeu que suas vendas não contavam para a estatística!”
JE – “O verso livre, a sintaxe fragmentada, as disjunções radicais, o emprego de gíria, o uso de assuntos antes considerados poeticamente impossíveis – foram esses alguns dos métodos e técnicas empregados pelos poetas modernos. Nova, também, foi a atitude deles para com o leitor, a quem os poetas, como os primeiros dentre os escritores da história, preferiram desconsiderar de forma radical. Se o que eles escreviam era intransigentemente difícil, eles não viam nisso um problema pessoal…”
DH – “Creio na qualidade da poesia contemporânea, pois para mim a melhor poesia dos nossos dias representa uma pujante literatura (se atentarmos bem). Nosso problema, acho, não é com a poesia, mas sim com a noção que o público tem dela. Embora tenhamos mais poesia hoje, é menor o número dos que se ocupam de poemas e poetas, em publicações importantes. Aqui, Harper´s Magazine e The Atlantic suprimiram seus comentários trimestrais sobre poesia, há algum tempo. The New York Times Book Review nunca demonstrou muito interesse, e quanto mais a poesia crescia em popularidade menos atenção lhe dispensava. Mas, o golpe maior foi de The New Yorker, que publicava regularmente ensaios sob o título “Verse”. Hoje, quando a revista se ocupa de poesia, é para tratar de poetas mortos!”
JE – “Para uma avaliação do que está errado com grande parte da poesia contemporânea, seria bom passar os olhos num ensaio de Witold Gombrowicz, um romancista polonês que morreu em Paris em 1969. O ensaio se intitula sem subterfúgios ‘Contra os Poetas’. Gombrowicz se mostra chocado com a profissionalização da poesia – ‘hoje se é poeta da mesma forma como se é engenheiro ou médico” – coisa que privou a poesia de sua espontaneidade, fazendo-a parecer artificial, e que fez do poeta um ser humano um tanto incompleto, escrevendo poesia, na verdade, para os outros poetas…”
DH – “Enquanto a maioria dos leitores e dos poetas concorda que ‘ninguém lê poesia” – e nós nos aquecemos com o fogo gregário de nossa arte solitária – uma multidão de ninguéns começa a reunir o grande público que Walt Whitman procurava (ele devia ter nascido na era da Internet). Por fim, cito Wallace Stevens, que certa vez descreveu a poesia como ‘um faisão que desaparece no matagal’. De quando em quando tem-se um vislumbre fugaz das suas mais maravilhosas penas, na obra dos melhores poetas contemporâneos…”
A poesia está morta. Viva a Poesia!
Play again.