Um mergulho na solidão

O escritor Menalton Braff deixa de lado o lirismo dos contos "À sombra do cipreste" para embrenhar-se nas angústias do homem no romance "Que enchente me carrega?"
Menalton Braff: “Sou um moralista cheio de dúvidas sobre tudo”
01/02/2001

Por Rogério Pereira e Paulo Polzonoff Jr.

Todo prêmio literário tem a difícil e, quase sempre, estapafúrdia missão de escolher os melhores escritores, entre as tantas levas que tentam a sorte nessa inusitada ocupação. O subjetivismo das escolhas tem o poder de relegar a escritores o efêmero gosto da fama. Passado o entusiasmo inicial, muitos voltam a um merecido ostracismo. Seja por vaidade ou excentricidade de jurados, autores ficam famosos, festejam e tão só. E não importa o quão importante seja o prêmio. A fragilidade de muitos não resiste as exigências do leitor mais atento — seujeito em extinção nesse Brasil semi-analfabeto.

Menalton Braff, até agora. escapa incólume dessa “sina”. Ganhador do prêmio jabuti — um dos principais (e nen por isso menos Polêmico) prêmios literarios do País — do ano passado, com a coletânea de contos À sombra do cipreste, na categoria Livro do ano, categoria ficção. Levou o galardão máximo e causou os corriqueiros buchichos. Passada algavaria da premiação, o tímido e discreto Menalton está de volta com o romance Que enchente me carrega? (Palavara Mágica, 143 págs.). O jabuti sobre a estante em nada alterou a escrita de Braff: segue firme em sua luta pela exelência da linguagem. Não migrou  para uma grande editoraa. Não deixou de dar aulas na região de Rebeirão Preto, interior de São Paulo. Continua em seu canto, quieto a escrever. e muito bem.

Mas agora, Menalton Braff — que ja se escondeu atrás do pseudônimo Salvador dos Passos — dexou de lado o lírismo dos contos de À sombra do cipreste para mergulhar na solidáo de Firmino, um sapateiro angustiado com a perda da mulher e com a chegada do desenvolvimento. Que enchente me carrega? é um passeio, sem as belas imagens de cartões postais, pela solidão e incerteza do homem. Firmino não passa de um sapateiro, mas se diz artista. Não tem mais mulher. Bebe para esquecer. Um historia banal que ganha força que só a boa literatura é capaz de proporcionar às histórias banais.

Leia a seguir entrevista exclusiva de Manalton Braff.

• Quantas enchentes são necessárias para nos carregar?
(Risos) É claro que isso depende da posição em que se esteja em relação ao rio. Quem estiver, como o Firmino, em posição muito vulnerável, pode ser carregado por apenas uma fábrica de calçados. Todas as transformações econômico-sociais deixam um rastro de vítimas, constituídas, principalmente, por aqueles que exerçam atividades periféricas ou em vias de extinção. O artesanato, como meio de subsistência, é um resíduo do modo medieval de produção, e o desenvolvimento capitalista, como uma enchente, vai eliminando estas fissuras em seu casco. O progresso é uma necessidade inelutável. O que não me parece que seja inelutável são as vítimas do progresso.

• Em Que Enchente nos Carrega?, Elvira afirma o tempo todo que: “o casamento é uma prisão”. Que tipo de prisão? Estamos fadados a viver nesta prisão?
No caso dessa personagem, neste caso particular, a prisão existe por causa de relações equivocadas, em primeiro lugar, mas não só por isso. Ao aceitar o papel de Firmino como provedor, Elvira aceitara também seu papel de dependente, prisioneira. No momento em que tenta libertar-se, ou seja, romper com a mulher-dependência, percebe que está presa. Me parece que a prisão só atinge a consciência quando se tenta buscar a liberdade.  Num sentido mais geral, não me parece que estejamos fadados a viver nesta prisão. A instituição do casamento é histórica. Ela nasceu sob determinadas circunstâncias que a tornavam necessária e deve desaparecer no futuro, quando esta mesma necessidade desaparecer. Não sei e ninguém sabe quando isso vai acontecer, mas os primeiros sinais já estão por aí. A pílula, o crescimento da participação da mulher na vida econômica da sociedade, as experiências pré-matrimoniais, são elementos de liberação tanto do homem quanto da mulher. Me parece que no futuro só o amor poderá justificar uma união.

• No livro, há também um constante questionamento sobre a arte. No caso, revestido sobre o trabalho de Firmino, um mero sapateiro, que se diz artista. A arte e o cotidiano se fundem na mesma medida em que se negam?
Digamos que arte e cotidiano são aspectos distintos da mesma realidade. Claro que toda definição neste sentido é um tanto precária, mas no limite, podemos dizer que não existe ação humana inteiramente destituída de sua criatividade, assim como não existe ação que seja totalmente criativa. Levando isso em consideração apenas como o extremo, todos nós conhecemos ações criativas e ações repetitivas, mecânicas. Quando o prensista da metalúrgica retira uma peça do estampo, ele se desumaniza, pois não pode identificar sua individualidade na peça que retirou. Aliás, e novamente o futuro, são essas as atividades fadadas à extinção. O que parece paradoxal. O progresso humano teve de eliminar os aspectos criativos da produção econômica, o que foi feito com o desenvolvimento tecnológico. E agora a tecnologia já vai criando as condições para que ao homem se reservem apenas atividades criativas, relegando à máquina tudo que seja repetitivo. Ou seja, deveremos ter um retorno à criatividade. Bom, essas são idéias do Domenico de Masi, de quem se aceitam algumas incondicionalmente, se aceitam outras com muitas restrições e não se aceita uma porção porque extravagantes. No caso do Firmino, o que está em jogo é a idéia de que o homem só pode sentir satisfação, ao agir sobre a natureza em busca de sua manutenção, quando aquilo que sai de suas mãos tiver alguma marca de sua individualidade. Nesse sentido, o ponto mais alto de humanização e individuação é a arte, que tem na originalidade um de seus elementos fundamentais. A exceção, é claro, está na arte das gravuras, e é por isso que são numeradas.

• Na apresentação do livro, o escritor e jornalista Ignácio de Loyola Brandão lembra uma importante passagem do livro: “Das coisas que mais detesto é alguém que me defina”. Assim como o personagem, sofremos constantes definições. Como o senhor se define e como define a sua literatura?
Eu acho que nunca me defino como sou, mas como gostaria de ser. Apesar disso, vamos lá. Sou um sujeito curioso, meio descrente do ser humano, um pouco enraivecido com a sociedade e suas injustiças. No fundo, eu sei que sou um moralista, mas um moralista cheio de dúvidas sobre tudo. Minha literatura, pelo menos como intenção, tem dois fulcros. De um lado a busca do humano no ser humano. Ela é feita sempre de tentativas: tentativa de expressar o humano; tentativa de descobrir o humano. Por isso que me considero um moralista: meio descrente do ser humano porque gostaria que ele fosse melhor do que é. O outro ponto de apoio, e mais importante que o anterior, é a linguagem, o texto. De boas intenções o inferno não está cheio? Pois existe muito boa intenção em texto ruim. A busca da literariedade e a discussão permanente do que seja isso. Me parece que este é o caminho que tento seguir.

• Então, o senhor acredita em uma função da literatura.
Sim, a literatura tem uma função, aliás, pode ter várias funções, e geralmente uma obra complexa não pode ficar limitada a uma função única. Mas a função por excelência, sem a qual todas as demais falham, é a função estética. O Graciliano Ramos, neste sentido, foi admirável. Sua literatura tem uma função de denúncia social? Claro que sim, mas sua principal virtude é o fato de não se ter jamais descurado da literariedade de seus textos. Se um romance tiver profundidade filosófica e não causar prazer estético, pode ser um ensaio, um tratado, pode ser tudo menos literatura. Sei também que estou radicalizando, pois os limites disso tudo são muito difusos, difíceis de serem estabelecidos, mas o caminho, no meu entender, é esse.

• Que Enchente nos Carrega? é, sem dúvida, um livro com a preocupação constante da perfeita junção da linguagem e da trama. Até que ponto estes elementos devem estar em harmonia para o bem ou mal da literatura?
Num certo sentido esta pergunta já está respondida acima. Eu acho que cada história, cada tema pede sua linguagem, sua expressão. Devo ter lido (sim, porque estes conceitos a gente incorpora e fica pensando que são próprios e originais) que a arte é boa quando existe adequação entre meios e objetivos desejados. O Verdi, referindo-se ao Wagner, disse que não se faz uma declaração de amor aos berros, o que tem um fundo de verdade mas é exageradamente duro com o Wagner. A arte literária não é diferente: todos os meios devem ser organizados na busca de um efeito determinado.

• Qual seria esse efeito determinado?
Claro que o efeito não é sempre o mesmo, mas em princípio, o efeito desejado com uma obra de arte é o prazer estético. O melhor seria dizer “efeitos”, e é impossível enumerar tudo aquilo que se pode entender dentro do conceito complexo que é prazer estético. Idéias como de harmonia ou desarmonia, simetria ou assimetria, ritmo ou arritmia, estranhamento e muitas outras são básicas para que se entenda o prazer estético.

• A forma com que Que Enchente… está escrito lembra Raduan Nassar — um escritor lembrado apenas no umbigo da literatura. Umbigo, no bom sentido, é claro. A sua literatura sofreu alguma influência de Nassar?
Desconhecer o que já existe é ingenuidade, pecado mortal. Não consigo precisar quais foram minhas influências, mas sei que são muitas, provavelmente de todos os escritores que admiro. O Raduan, sem dúvida, é um deles. Aliás, por falar em Raduan, esta é uma de minhas raivas: Como é que um dos escritores que prometia tornar-se um marco na literatura brasileira, como ele, abandona tudo desse jeito? Acho que ele foi injusto ao pular fora, porque nós todos precisávamos muito dele.

• Na edição número 2 (em junho) do Rascunho, José Castello escreveu que os contos de À Sombra dos Cipreste abdicam da frieza em prol do lirismo. Um lirismo que convida o leitor. Frieza e lirismo são antagônicos em seus contos? Isso não acontece em Que Enchente…
Realmente. Houve um período em que eu tentava o veludo. Era tudo tão áspero em minha volta que o lirismo impressionista, se posso dizer assim, ou pelo menos, a suavidade era uma espécie de compensação. Mas eu acho que não posso fechar questão com um dos extremos. Ninguém se agüenta sempre rindo ou sempre chorando. Aquele tom de lirismo, digamos… delicado, não estaria adequado ao tema e à história do Enchente. Outro dia terminei um conto que me pareceu expressionista. Os traços mais fortes, uma prosa mais agressiva. São experiências. Também não gosto muito da idéia de encontrar um veio que funciona e ficar escavando muito tempo por ali. Mas o José Castello realmente teve a fina percepção do tom que eu procurei nos contos.

• Hoje, muito se propaga a chamada “crise do conto” brasileiro. Parece que o gênero realmente está estagnado. O senhor concorda com este apontamento e quais seriam os rumos do gênero no Brasil?
Me parece que a crise fundamental é a própria crise da sociedade brasileira. Que por sua vez nada mais é do que extensão de uma crise muito mais ampla, porque planetária. Nós estamos no bojo de uma revolução muito grande e nem sempre nos damos conta disso. Mudam-se os costumes, o homem liberta-se de uma porção de preconceitos, cria outros, às vezes, transforma-se o modo de ganhar o pão, as mídias cada vez mais ágeis, com extensão e profundidade cada vez maiores, a informação, a informatização, enfim, mudam-se os meios e mudam-se os fins. Vivemos em estado de crise. O conto entrar em crise é decorrência disso tudo. Mas entrar em crise não significa extinguir-se. Quais os próximos caminhos do conto eu não sei, porque não sei como será o homem deste novo milênio. Manterá muito do homem da caverna pra que a gente possa dizer: “— O homem, de lá pra cá, não mudou nada.” Mas vai ter tanta diferença que com a mesma razão vamos poder dizer: “— O homem já não é mais o mesmo.” O que não se pode é ter medo da mudança. O que não me parece razoável, contudo, é esta ansiedade pela mudança. A novidade, em si, não é uma categoria estética. Não existe tempo pré-determinado para que uma estética ou uma tendência sobreviva. Quando ninguém mais agüentava a artificialidade da poesia árcade, apareceram os românticos. Nem tão simples assim, mas tão simples assim.

• O crítico e jornalista Daniel Piza defende que o romance está decadente porque não nos sacia mais a “fome de narrativa”. Isto é, existem hoje outras formas muito mais eficazes para se contar uma história, principalmente o cinema. Segundo Piza, ao romance caberia, então, cada vez mais um papel meramente analítico, o que teria empobrecido o gênero. Qual a sua opinião sobre isso e sobre o romance brasileiro atual?
Bem, não tenho sobre o assunto a mesma visão do Daniel Piza. E como o assunto é futuro, nem ele nem eu podemos comprovar nossas opiniões. Mesmo assim me parece necessário fazer esta projeção. Não acho que o romance esteja decadente por não saciar a “fome de narrativa”. O romance tende a aproximar-se da poesia, deve provocar reflexões, deve desvendar dobras da alma humana e tudo isso que se costuma dizer. Então, ele deve se transformar. Claro. Quando a fotografia apareceu, muita gente pensou que a pintura tivesse chegado ao fim. A pintura se transformou: de seu mimetismo quase nada mais resta. Mas a pintura não acabou, nem acho justo que se diga que a pintura esteja decadente. A narrativa, puramente narrativa, bem, ela está em boas mãos, com o cinema e a televisão. Mas a narrativa da televisão não é a narrativa do texto literário. A imagem em movimento satisfaz a uma área do espírito humano, não a todas. A palavra, seu ritmo, sua cor satisfazem a outras áreas. Quando o Aurélio Buarque de Holanda Ferreira disse que, para seu gosto, “libélula” era a palavra mais bela da língua portuguesa, ele se referia principalmente a aspectos sonoros, como a aliteração interna da palavra, sua sucessão de vogais, sua tonicidade. Se ele tivesse mostrado uma libélula, certamente não diria que é a mais bela imagem da natureza. Não me parece que uma nova modalidade de expressão venha para ocupar o lugar de uma anterior. O que existe, na minha opinião, é um enriquecimento humano proporcionado pela diversidade cada vez maior. Bem, sobre o romance brasileiro atual, acho que sofre dos mesmos males do conto. Esta perplexidade que nos engolfa funciona como os ovos sobre os quais vamos pisando. Está tudo muito confuso ainda, e talvez o romance esteja expressando justamente isso: essa confusão, essa expectativa. Não sou crítico, não tenho muita clareza do assunto, acredito, entretanto, que, no futuro, os estudiosos vão dizer isso. E não falo de conto e romance como filhos que eu esteja lambendo. Sou de opinião que se não houver mais necessidade do romance e do conto, bem, então eles devem morrer. Nada existe sem que seja necessário. A epopéia, mãe do romance, nasceu porque era necessária. No Romantismo, foi a necessidade que engendrou o romance e mais tarde o conto. O conto literário, bem entendido, que o conto oral tem suas origens nas “trevas dos tempos”. Não acho que os dois sobrevivam por ser um nostálgico pensando que não vai mais ter o que fazer na vida, mas por achar que ainda existem necessidades estéticas às quais eles atendem.

• Há em seus contos alguns resquícios fortes de romantismo. Antônio Cândido dizia que a literatura, mesmo a contemporânea, vive ainda num post-romantismo, com o domínio absoluto do “eu romântico” nas narrativas…
Bem, não sei se a pergunta se refere a romantismo ou Romantismo. E o Romantismo eu entendo como um feixe, como uma entidade multifacetada. Nacionalismo (cores locais), exaltação da pátria, busca das raízes populares da arte, religiosidade, o poeta vate, apego à tradição, sentimentalismo, maniqueísmo, o herói acima do homem comum, enfim, são tantas as varas deste feixe, que, realmente, não entendo em que pode haver resquícios românticos.

• Qual a relevância não só do Jabuti, mas dos prêmios literários para o cenário editorial brasileiro. Afinal, o senhor ganhou o Jabuti e continua numa pequena editora.
O Jabuti é o acontecimento sem o qual é muito difícil uma carreira literária. E eu digo muito difícil, mas não impossível. O Jabuti, ou qualquer outro prêmio, é o crivo pelo qual passa o autor e que o credencia a aparecer na mídia. Sem mídia, alcançamos até onde vai nosso braço. Eu tinha um círculo de leitores: a família, alguns poucos amigos. Este leitor anônimo, que é o leitor que lê apenas o texto (sem a ingerência dos olhos do autor, sem seu sorriso ou carranca em cada página) quem pode proporcionar é a mídia. Mas como existem milhares e milhares de autores esperando sua vez, tentando aparecer no jornal, na televisão, e como não há, obviamente, espaço para todos, a mídia fica à espera. Atenta mas à espera. Quando alguém ultrapassa todas as barreiras, então ela se anima a dar espaço. Pois é, apesar do Jabuti continuo numa editora pequena. Me parece mais conveniente uma editora onde não se precise ficar disputando espaço com os companheiros, do que uma grande editora em que os principais serviços de assessoria já estejam comprometidos com autores mais velhos de casa. Houve um pouco de medo, nesta permanência. Um pouco de medo e muita confiança no pessoal da Palavra Mágica. Nossas relações são de amizade e de uma profunda confiança mútua. Outro aspecto importante do Jabuti é a agitação que ele promove por um mês, mais ou menos, junto à imprensa. A literatura vira notícia, as pessoas ouvem falar de autores e livros, e isso tudo é útil porque as pessoas se lembram de que literatura existe.

• Então, o senhor acredita que a literatura está esquecida.
Não, não me parece que a coisa é estar ou não estar esquecida. Eu acho que o correto seria pensar em estar mais ou menos lembrada. Não me agrada muito trabalhar com absolutos. A literatura sempre esteve mais (ou menos) lembrada e o fato de transformar-se em notícia, por sua presentificação nas consciências, vai torná-la (a literatura) mais lembrada.

• Podemos conversar um pouco sobre a crise da crítica literária. Hoje, sabemos, a crítica perdeu espaço na mídia. Qual o papel teria esta “nova não-crítica” no descobrimento de novos autores?
Bem, a antiga crítica, Tristão de Ataíde, Wilson Martins e outros, foi alijada da imprensa. Mas apenas da grande imprensa. Me parece que o império do lucro, as determinações do mercado, que essas coisas foram empurrando a crítica para fora do jornal, principalmente. Existe uma maioria de consumidores de jornal que é ávida pela notícia, pela informação rápida, pelo texto que se possa ler durante o cafezinho. Mas existem órgãos, e o Rascunho é um exemplo, destinados a outro tipo de leitores. No caso do Rascunho, me parece que o perfil do leitor é de alguém à cata de formação, de uma informação mais refletida, por isso mais lenta e mais aprofundada. Na revista de grande tiragem, de tiragem, digamos… popular, ou no jornal de mesmas características, o espaço é pequeno, porque destinado a leitor apressado. Existe um custo do espaço em que o proprietário tem de pensar. Existe um tipo de texto que vai ser mais ou menos lido. Então chegou a resenha que, se não tem a profundidade da crítica, tem também grande utilidade, pois opina, destaca características e é lida. Nós, os autores, precisamos da resenha e da crítica. Sem isso, dificilmente somos lidos. Porque mesmo quando uma crítica não seja muito favorável a um autor, algum aspecto do que é dito pode estimular a leitura de sua obra. E não apenas nós, os novos, precisamos da resenha. Se a Lygia publicar um novo livro e a imprensa não se ocupar dele, eu não vou entrar em uma livraria para procurá-lo.

• Há renovação na literatura brasileira? Há exemplos disso? Ou sobrevivemos de ícones como Rubem Fonseca, Dalton Trevisan, Moacyr Scliar, Lygia Fagundes Telles etc?
Não tenho a menor dúvida de que há renovação. Não que os mais antigos sejam eliminados, mas convivem com eles muitos autores jovens, que aos poucos vão surgindo. Talvez seja um pouco lento este processo de tornar-se conhecido. Mas eles estão por aí, tentando sobreviver, fazendo coisas novas, tentando caminhos. As listas do Jabuti exemplificam bem isso. Nomes desconhecidos ao lado de nomes consagrados. As correntes nas quais navegam os jovens, estas sim, parecem menos variadas do que poderiam ser. Há uma leva de jovens autores presos a um tipo de linguagem e de temática. Ora, isso quando a modernidade aponta para a liberdade, para o espírito de invenção. O que não existe, ainda, é um grande nome, uma figura com potencial para aglutinar forças, mas nem sei se isso é necessário.

• O pessimismo é o melhor amigo de um escritor?
Não creio. Mas que não vejo a meu redor muitas razões para ser otimista, lá isso não vejo mesmo.

Rogério Pereira

Nasceu em Galvão (SC), em 1973. Em 2000, fundou o jornal de literatura Rascunho. É criador e coordenador do projeto Paiol Literário. De janeiro de 2011 a abril de 2019, foi diretor da Biblioteca Pública do Paraná. Tem contos publicados no Brasil, na Alemanha, na França e na Finlândia. É autor dos romances Antes do silêncio (2023) e Na escuridão, amanhã (2013, 2ª edição em 2023) — finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, menção honrosa no prêmio Casa de las Américas (Cuba) e traduzido na Colômbia (Babel Libros) — e da coletânea de narrativas breves Toda cicatriz desaparece (2022), organizada por Luiz Ruffato.

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