As notícias que não saem nos jornais

As manchetes dos jornais estão dedicadas aos grandes fatos da vida econômica e política da cidade, do Estado, do País, do mundo
Nilson Monteiro, autor de “Pequena casa de jornal”
01/07/2001

As manchetes dos jornais estão dedicadas aos grandes fatos da vida econômica e política da cidade, do Estado, do País, do mundo. Poucas vezes se dá espaço ao cidadão comum, àquele que mora nas periferias, que leva a vida pacatamente, sem grandes sobressaltos. Quando o cidadão comum está nos jornais, é porque matou ou foi morto, ou tem alguma espécie de aberração que atende pelo nome de fato jornalístico (bebês siameses, um cachorro com duas cabeças, uma mina de ouro no quintal, coisas do gênero), alcançando assim o status de noticiável. (Não se fala aqui de Ratinhos e outros, que exploram a miséria humana nas telas.)

Mas há jornalistas que conseguem enxergar notícias onde elas não aparecem tão fácil. Um deles é Nilson Monteiro, editor do jornal Gazeta Mercantil Paraná. Seu último trabalho, Pequena Casa de Jornal (Imprensa Oficial do Paraná, 112 págs.), é uma coletânea de contos/crônicas escritos ao longo da vida do autor, e que jaziam alguns escondidos em gavetas, outros em arquivos mortos dos jornais por onde ele passou, que trazem em comum uma sensibilidade para enxergar o incomum onde a maioria das pessoas não vê nada. Felizmente, o autor tem sensibilidade e talento para transformar o fato efêmero em eterno, e transformar em literatura o que poderia virar embrulho de peixe.

Veja o exemplo da história de Alicate, o maior zagueiro surgido nos campos da várzea de Campinas (SP). Alicate, à semelhança de outro gênio, tinha as pernas tortas, mas para sua infelicidade curvadas para fora, o que o impedia de fechá-las. Não obstante, ele poderia ter um futuro glorioso. Na final do campeonato da várzea, porém, seu destino fica mudado, às custas de seu físico, sem levar em conta a partida que joga.

Ou a história de Zezo, mítico motorista de ônibus campineiro, que por uma noite foi um revolucionário, um agitador das massas, um provocador que lutava contra a ditadura militar brasileira. Zezo nunca se furtou a participar da vida de seus passageiros, cantando, dançando, conversando, ajudando; enfim, sendo mais que um motorista, uma referência na cidade. No dia revolucionário, Zezo levava para casa um bando de estudantes, contrários por natureza a qualquer ordem estabelecida, e em sua tradicional empatia, começa a cantar os refrões anti-ditadura. Até que a polícia pára o ônibus, e vão todos para o xilindró.

Sente-se na prosa de Monteiro uma pessoa que gosta da vida, e sente enorme prazer em vivê-la. Além disso, ele é uma daquelas pessoas que professam um credo, o do prazer da conversa entre os homens. Seu templo é o bar, ou melhor, os botecos que pululam em todas as cidades. Veja Abençoado, crônica sobre o Bar do Padre, um boteco ou bodega ou botequim ou “estabelecimento comercial”, como carinhosamente lhe chama o proprietário.

O autor é um apaixonado por bares, mas os autênticos, onde as pessoas se despem de seus sobrenomes (principalmente nesta Curitiba onde a tradição muitas vezes fala mais alto que a honradez e a verdade) e são simplesmente elas mesmas. O padre em questão não é padre, e não está explicado porque lhe pespegaram a alcunha. No entanto, o credo por ele professado, bem como o de Nilson, é o da sinceridade, de alguém que ama o que faz, e que reúne em torno de si quem pensa como ele.

E as paixões se seguem, às vezes pessoas, às vezes lugares, às vezes cidades. Nilson não tem medo de dizer do que gosta, nem da maneira como o faz. Seu livro é agradável como uma boa conversa em um botequim, seja contando desgraças como a geada negra de 1975, que praticamente destruiu a economia cafeeira paranaense, seja contando a paixão dos filhos pelo Atlético Paranaense. E para mim, quem não gosta de uma boa conversa bom sujeito não é.

Adriano Koehler

É jornalista. Vive em Curitiba (PR).

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