Em inglês, conto se traduz como short storie, ou seja, história curta. Não há minúcias que diferenciem o conto da crônica, por exemplo, exceto o texto ser ficção ou não-ficção. Proporcionalmente, a literatura americana é cheia de melhores contadores de longas histórias em detrimento de contadores de histórias curtas.
Já se disse em algum lugar que o conto é o gênero máximo da literatura brasileira. Já está em Machado. Se bem que se comparar a Machado é sempre apostar para perder. Com ele, não se deveria haver comparações. O conto, enfim, está arraigado à literatura brasileira. Parte da crítica nacional, como exemplo, reverencia a obra de Rubem Fonseca graças a seus contos, em oposição a seus romances – particularmente os mais recentes.
O mais novo livro de Edla van Steen, No Silêncio das Nuvens (Global Editora, 224 págs.), é de um formato, no mínimo, peculiar. Ele é dividido em quatro contos e uma novela, que, não coincidentemente, dá nome à obra.
A edição valoriza o reconhecimento que a obra de Edla teve (ou, melhor, tem) nos Estados Unidos. O crítico literário e professor de literatura David S. George foi o responsável pela tradução de parte da obra de Edla para aquele país. Não à toa é ele quem prefacia o livro. Amigo da escritora, ele foi o responsável pelo significativo alcance que livros como A Bag of Stories (antologia de contos) tivesse uma aceitação respeitável da crítica americana, tão avessa à literatura de língua portuguesa.
Edla é dona de uma história respeitável na literatura brasileira. É detentora de prêmios como o Nestlé, o da Academia Brasileira de Letras e até o Molière, do teatro. Claro que prêmios, puros e simples, não dão valor a uma obra. Mas também não se pode ignorá-los.
Ela atua no mercado editorial há mais de 30 anos. Recentemente, além do lançamento de livros de contos e romances, ela tem se dedicado à edição de coleções de melhores contos, poemas e literatura infanto-juvenil, todas pela Global Editora. Não se pode ignorar, também, que ela é casada com o crítico teatral Sábato Magaldi.
A prosa de Edla realmente impressiona. Em meio a lançamentos frenéticos de autores pop e tentativas de reciclagem de gente já conhecida, encontrar um texto como o de Edla é um alívio. Seu maior trunfo é a coloquialidade e a capacidade de lidar com assuntos aparentemente banais. Boa mesmo ela é em contar histórias.
Por isso, óbvio, a qualidade de seus contos. As quatro histórias contadas por Edla em No Silêncio… remontam quase a “causos”. No início, percebe-se alguma influência de Clarice Lispector. O conto Bodas de Ouro é quase um Feliz Aniversário revisitado. O olhar feminino, a memória e a (in)tolerância de se aceitar uma situação imposta pela família que nem parece mais ser família. Elementos usados com maestria pelas duas escritoras.
A seqüência de contos faz perceber que Edla tem, ao menos neste No Silêncio…, uma certa predisposição ao realismo fantástico – como forma, até, de salvação de seus personagens. O sobrenatural está sempre presente, assim como o espantamento e a inércia. Os três elementos, tomados em ordem inversa à descrita aqui, são a estrutura básica das histórias do livro.
Outro fator louvável nos contos de Edla é a forma como ela muda habilmente de narrador. A princípio, o leitor pode se confundir com os saltos não anunciados entre o narrador em terceira e primeira pessoa. Mas, em um segundo momento, os olhos e a cabeça acostumam-se às trocas. E a leitura torna-se mais divertida, até.
Diversão. Boas histórias são histórias divertidas. E, embora sempre trate da “miséria humana” como tônica de seus personagens, Edla sabe como dar cargas de diversão a seus contos. Mesmo tratando de assuntos aparentemente obscuros como o ódio secreto que a filha passa a nutrir pelo pai morto em A Vingança. Os quatro contos do livro são absolutamente divertidos, desde que não se confunda diversão com gracejo. Diversão, nesse caso, significa entretenimento sofisticado.
Talvez pela extrema qualidade dos contos de Edla é que se sinta uma certa decepção ao ler No Silêncio das Nuvens, a novela propriamente dita. Como o prefácio já promete o velho conhecido “final surpreendente”, não tem como se chegar à novela sem uma certa expectativa – que é confirmada, até então, pelas quatro primeiras histórias.
Mas a novela, nada mais que um conto longo, é decepcionante. Nenhum dos personagens parece ter sustentação, e a ação se desvia demais de seu propósito, seja esse qual for. Ao final de No Silêncio, se tem a impressão que a escritora tentava quase uma história policial. Se era essa a intenção, tanto mal. No princípio, parece que, novamente, a personagem feminina, entre desejos secretos e histórias a serem desvendadas, será o fio condutor da narrativa.
Entretanto, o amontoado de personagens que são apresentados em seqüência não se resolvem, e têm mudanças de linhas comportamentais inexplicadas. A linha policial surge apenas no fim, e não dá ao leitor (do gênero) aquilo que ele mais gosta: a solução do crime. O crime perfeito de Edla é fornecer a conseqüência sem a causa. Quase irritante. Como naqueles livros de Aghata Christie em que é impossível descobrir o assassino, uma vez que ele havia “morrido” lá no começo da história.
De todo modo, é até uma bobagem comparar Edla a Aghata. São propostas absolutamente diferentes. O maior problema da novela No Silêncio… é o tempo perdido em longas descrições de ações e outras passagens que, ao final da história, revelam-se praticamente inúteis.
David George, no prefácio, diz que a novela No Silêncio das Nuvens trata de um tema visitado com raridade pela maior parte dos autores brasileiros: o racismo. Só pode ter sido uma leitura equivocada. Mesmo porque, se não foi, aí sim que a história escorrega em banalidades. E banalidades, lembre-se, era o que Edla sabia contornar de melhor nas histórias anteriores.
Saúde, afinal, a No Silêncio das Nuvens. Mais pelos excelentes contos do que pela novela homônima.