Um olhar sobre a “geração internet”

Aventurar-se a escrever ainda é o sonho de muita gente
01/10/2001

Aventurar-se a escrever ainda é o sonho de muita gente. A literatura, para esses muitos, é vista como a única maneira de dar vazão à sua sentimentalidade e espírito crítico. Seguindo o lema diversas vezes repetido “escrevo por necessidade e não por opção”, centenas de candidatos a escritores passam anualmente pelo funil do mercado editorial, submetendo seus manuscritos aos incertos e demorados processo de seleção das editoras. Poucos são contemplados.

Neste cenário é que a internet surgiu como meio de publicaçãouma chance para “escritores” novatos e outros renegados do crivo das editoras mostrar o seu trabalho. “Escritores” porque o ofício é generoso demais. Afinal, qualquer um que teça meia dúzia de frases que façam algum sentido pode se chamar de “escritor”. No entanto, socialmente considera-se escritor o sujeito que tenha por ofício o ato de escrever, e que, na prática, tenha publicado alguma coisa.

É claro que o paradigma do que é o conteúdo na internet aplica-se à literatura que ela suporta: liberdade ideológica total/ informação em excesso e descentralizada/ qualidade escassa. Ou seja, pelo próprio fato de que qualquer um pode escrever o quanto e o que bem entender, é isso mesmo que faz cansativa uma busca por literatura de qualidade. É mais fácil encontrar 300 candidatos a poetas que rimam “amor” e “dor” do que um único que tenha uma poesia inovadora e atrativa. Até porque, apesar da tão proclamada liberdade de pensamento e ação, a internet ainda é muito limitada em seu suporte. Afinal, nem o mais paciente dos leitores agüenta ler calhamaços rolando a barra em seu monitor.

No entanto, há quem busque se organizar de forma a ser encontrado mais facilmente pelos “teleitores” (parafraseando Millôr Fernandes). São grupos de “escritores” que lançam materiais voltados especialmente à leitura pela internet, como zines e revistas eletrônicas; e que primam por critérios editoriais ainda um tanto desconexos, mas que, à sua maneira, abocanham sua fatia de leitores fiéis.

Houve quem dissesse que esse grupo de pessoas pudesse estar formando uma nova escola literária, já que a maioria do material produzido por essas pessoas gira, invariavelmente, pelos mesmos temas, além de serem todos jovens com gostos parecidos. Um dos escritores símbolo desse movimento silencioso seria o inglês Nick Hornby, de Alta Fidelidade e Febre de Bola. Hornby está para a literatura pop assim como o Papa para o Catolicismo.

E qual foi o maior trunfo do próprio Hornby senão a citaçãoaté exageradade ícones culturais de sua geração? Talvez a coloquialidade e o cuidado pela valorização da figura do jovem. Fórmula certeira que conquistou muitos leitores. E isso não significa uma obra de má qualidade, pelo contrário.

Entretanto, o culto aos ídolos jovens parece ter produzido nessa suposta geração uma condição de supervalorização do ego, e isso criou um “gênero” que parece estar intrinsecamente associado à literatura produzida na internet, a egotrip.

Egotrip nada mais é do que uma viagem egocêntrica. Usando as palavras de Daniel ‘mojo’ Pellizzari: “prosa narrada em tom confessional, geralmente em primeira pessoa. O narrador é o autor (ou seu alter-ego) e a matéria da narrativa passa pelo crivo de seu mundo interior. É, de certa forma, um comentário de forte carga subjetiva sobre o cotidianoou melhor, sobre como o cotidiano afeta a vida do narrador”. Mojo, coincidentemente ou não, pode ser considerado um dos melhores exemplos da suposta geração criada na internet.

A tal egotrip é o gênero de maior difusão na internet. A ligação que se faz com seu sucesso parte do princípio que há muita gente no mundo louca para se ver correspondida, e, ao ler um texto que fala dos seus mesmos problemas, questionamentos e ideais, sente-se libertada de seu cárcere solitário. O que talvez seja o grande “problema” da egotrip como gênero é que ela, invariavelmente, visita os mesmos poucos temas, sobrecarregando-os de elucubrações. A diferença entre ela e outras campanhas que visam atingir o jovem pelos seus gostos é que, pelo menos, a egotrip é genuína e não tem preconceitos. Ela fala na cara e não se preocupa com a reação do leitor. Sorte ainda não terem aproveitado as egotrips na publicidade.

Um dos maiores exemplos práticos das egotrips se encontram nos chamados weblogs, que podem ser definidos como “diários na rede”. São como os velhos diários escritos em cadernos. A diferença é que, ao contrário do que eram os “queridos diários”, as confidências dos blogs estão propositadamente expostas a quem se interessar em lê-las. Há, então, um círculo de leitores de blogs que se identificam com eles. E normalmente esses leitores também têm os seus diários virtuais. Maneiras que o ser humano encontra para socializar entre a parafernalha tecnológica.

A internet, por si só, não suplanta a possibilidade de uma literatura própria. Existe, claro, métodos de se escrever para internet, ainda que sejam muito incipientes porque ditados por quem não tem experiência no assuntouma vez que não há ninguém “experiente” em internet. Tudo é experimentação. Assim como existe, também, quem tenha se ingressado na literatura depois do advento do espaço virtual. No entanto, todo esse círculo de ativistas ainda é unânime em dizer que nada tira do papel (e especialmente do livro) o suporte ideal para suas letras.

Ricardo Sabbag
Rascunho