É o que está escrito

Resenha do livro "Epigrafias", de Maurício Arruda Mendonça
Maurício Arruda Mendonça, autor de “Luzes de outono”
01/11/2002

— É conto.
— Não é.
— É conto.
— Não é.
Conto:
Trata-se do polêmico (pelo menos aqui e agora) livro Epigrafias, do escritor nascido em Londrina, Maurício Arruda Mendonça.
— Tenho dificuldades para dizer o que é que é.
— Epigrafias.
— O que são epigrafias?
Exemplo:
“Supõe. Concebe. Descarta. Esquece. Sonha, contudo. Parte veloz.”
— É poesia.
— Não é.
— É.
— Não é.
Cadê os personagens? O fio da narrativa? Sei, pois, que não é isso o que define um conto. Sou um cara dos mais abertos. Acho que tudo acaba sendo o que quiser ser. Mas veja bem, quero crer que seja apenas um bom livro. O autor mesmo não quis entrar na questão. Escreveu e pronto. É o que vale. Por que esta discussão? Em vão?
— O Relojoeiro, à página 28, por exemplo, é um conto que eu adoraria ter feito.
— Concordo.
— “O relojoeiro sabe que está perdendo a visão e paulatinamente dependerá de seus ouvidos para escutar os estalidos precisos dos mecanismos, se bem que já esteja ficando surdo. Mas como precisa alimentar sua mulher, e a si, e a seu canário; e já que seus filhos, por julgá-lo um homem atrasado, acabaram por esquecê-lo; só lhe resta como saída fingir. E esse fingimento, pueril e ineficaz, é a única esperança capaz de fazê-lo despertar pela manhã e lutar.”
— Grande, grande!
Maurício sabe bem o que faz, a gente é que não sabe o que ele faz, pensei.
— É um miniconto, não é?
— Concordo, mas não acho que uma frase assim, que está na quarta capa, seja ficção: “O coração; caverna. A alma; lodo. A mente; armadilha inefável”. Primeiro que eu não gosto da palavra “inefável” (impliquei). Rasparia do livro, aqui e ali, algumas expressões como “colheita de ilusões” (p. 26), “o artista da ilusão” (27), “doença da infinitude” (17), “os ouvidos do coração” (48).
— Mas isso depende do contexto.
— Talvez, mas não gosto.
— Acho o livro do Maurício bem bom.
— Também acho, não tiro o valor do livro dele. Acho, inclusive, O Jacu (p. 39) um maravilhoso miniconto.
— Então pra que esse blablablá?
— Sei lá.
— Vou desligar.
Bati o telefone. Fique ali, remoendo. Gosto do livro do Maurício. É um livro que não se demora. É curto. Há um conceito maduro. Só não acho que… bem, deixa isso para o leitor descobrir. Vale a pena descobrir e discutir. Para se deparar, por exemplo, com frases luminosas do tipo: “Relâmpagos retalham as costas da noite.”
E se deparar com algo assim: “Meu avô costumava dizer: pare de ficar pensando na vida, porque se ela lembrar que você existe, você não terá mais sossego”.
Parar de pensar. É isso mesmo.

Epigrafias
Maurício Arruda Mendonça
Ciência do Acidente
64 págs.
Marcelino Freire

Nasceu em 1967 em Sertânia (PE). Escreveu, entre outros livros, Contos negreiros (Prêmio Jabuti 2006) e o romance Nossos ossos (Prêmio Machado de Assis 2013). É criador da Balada Literária, um dos principais eventos literários do país.

Rascunho