Tradução e nota de Ronald Polito
Nascido em Santa Coloma de Farmes, em 1913, Salvador Espriu foi com sua família para Barcelona quando tinha apenas dois anos de idade e lá viveu até sua morte, em 1984. Licenciou-se em Direito e em História Antiga pela Universitat de Barcelona e preparava sua licenciatura quando sobreveio a Guerra Civil da Espanha. Exerceu atividades administrativas e nunca se casou. Estreou muito jovem na literatura, publicando aos 19 anos seu primeiro livro de prosa, Israel: esbozos bíblicos. A este se seguiram diversos volumes de novelas e narrativas, dentre os quais El doctor Rip (1931), Laia (1932), Aspectes (1934), Ariadna al laberint grotesque (1935), Miratge a Citerea (1935) e Litizia i altres proses (1937), em que desponta como o narrador mais original em língua catalã da primeira metade do século 20. Não apenas prosador, Espriu também se dedicou ao teatro, no qual teve um papel importante para a recuperação das artes cênicas na Catalunha. Escreveu ainda alguns volumes de ensaios, em que se destacam Evocació de Roselló-Pòrcel i altre notes (1957), Sobre Xavier Nogués i la seva cincumstància (1982) e Aproximació a Santa Coloma de Farnes i a alguns dels seus indrets (1983), este último referente à cidade em que nasceu. Mas foi sobretudo como poeta que Espriu se tornou reconhecido, e não apenas na Catalunha, pois seus poemas já foram traduzidos para mais de 15 idiomas. Depois de um bom período sem publicar, que se estende de 1937 a 1945, ressurge com seu primeiro livro de poemas, Cementiri de Sinera (1946). A este se seguiram oito livros de poesia: Les cançons d’Ariadna (1949), Les hores e Mrs. Death (ambos de 1952), El caminant i el mur (1954), Final del laberint (1955), La pell de brau (1960), Llibre de Sinera (1963) e Setmana Santa (1972). A tradução dos poemas aqui publicados tentou reconstituir a métrica e o ritmo dos originais.
Pels portals de Sinera
Passo captant engrunes
de vells records. Ressona
als carrers en silenci
el feble prec inútil.
Cap caritat no em llesca
el pa que jo menjava,
el temps perdut. M’esperen
tan sols, per fer-me almoina,
fidels xiprers verdíssims.
Nos portais de Sinera
cato restos de velhas
recordações. Ressoa
nas ruas em silêncio
a frágil prece inútil.
Nenhuma caridade
corta o pão que eu comia,
o tempo vão. Só esperam-me,
com esmolas, fiéis,
verdíssimos ciprestes.
…
Des del mateix teatre
Sé com encara
en el record, intacte,
és el somriure.
Però les mans, ja cendra
o llum, on retrobar-les?
A partir do próprio teatro
Sei como ainda
na lembrança, intocado,
fica o sorriso.
Porém as mãos, já cinza
ou luz, onde revê-las?
…
Petit eco en el Styx
Ara, desvetllat serpent,
anellant-me en secrets signes,
em perdia pels malignes
camins del meu pensament.
Presoner de mancament
que creix en un vell dolor,
negre riu dominador,
aigua de negat, t’emportes,
crit avall, record de mortes
esperances de claror.
Pequeno eco no Styx
Agora, atenta serpente,
nos anéis de ocultos signos
me perdia nos malignos
caminhos da minha mente.
Prisioneiro da crescente
falta numa velha dor,
negro rio repressor,
água de afogado, lanças,
grito abaixo, essas lembranças
da espera vã do fulgor.
…
Just abans de laudes
Benignament sóc ara guiat
enllà del vell origen de les aigües,
on ja no sento la contínua font.
Quan els purs llavis reposin, cansats
de la vigília del tercer nocturn,
començarà l’ocell la clarosa lloança.
Jo, que moro i sé
la solitud del mur i el caminant,
et demano que em recordis avui,
mentre te’n vas amb les sagrades hores.
Logo antes das laudes
Benignamente agora sou guiado
para além da velha origem das águas,
onde a contínua fonte já não ouço.
Quando os lábios repousarem, cansados
pela vigília da terceira noite,
começará o pássaro o claro louvor.
Eu, que morro e sei
a solidão do muro e do andarilho,
te peço que hoje te lembres de mim,
enquanto vais com as sagradas horas.