Ligação direta. O poeta mineiro Fabrício Marques não precisa se preocupar com o molho de chaves. Arranca na surdina diferentes obras. Raspa o chassi e transforma releituras em criações pessoais. A alfândega literária não vai dar conta do prejuízo e do número de furtos. O rapaz é manjado em desmanche. “Plágio/ que se despede/ da sombra/ e vai/ na direção/ contrária.” O preciosismo chega às raias da perfeição, que se perdem os limites temporais e passa a se cogitar a idéia inverosímil de que Mário Faustino, Murilo Mendes, Ana Cristina César, entre tantos vítimas, é que roubaram seus versos. “Disfarçado de desastre”, o autor não despersonaliza a escrita com a profusão de citações. Pelo contrário, desidrata os mitos da literatura e cria sua identidade da junção dos destroços, alternando samba e concretismo, réquiem e rap.
Meu pequeno fim tem escondido na garagem, por exemplo, modelo Mário de Sá-Carneiro/1915, apelidado de “smoking e stricnina”. Há um remanejamento de peças dos clássicos poemas do escritor português, a exemplo do derradeiro Manucure, em tratados contemporâneos do humor. Os versos acentuam o charme suicida, adaptando o desânimo simbolista do fim do século 19 aos apocalipses amorosos de nossa época. Só que o suicida pertence a uma categoria nova de obstinados, que não confia nem na morte como saída, pouco afeiçoado aos bilhetes póstumos. “Morrer me faz muito bem.” Não tendo medo e desarrazoando qualquer saída, a crítica desesperada desanda ao niilismo e ao sarcasmo. “Palavra/ alguma/ me pertence// desconfie/ de tudo.” Difícil prever quando Marques fala sério. Atua entre a paródia e a paranóia. O enunciado já surge problematizado, definido. O texto já se inicia na metade da história. Até que sejam descobertos, os erros são acertos. “Eu fui alguém que se enganou/ e achou mais belo ter errado./ Sobremaneira é preciso ter um mínimo de sangue frio pra se errar/ com tamanha perfeição.”
Dividido em quatro módulos, as composições giram em torno de uma malícia fundadora, atenta ao subentendido e ao erotismo flutuante nas gírias. Mesmo sabendo que composições altamente líricas como Manhã, Outra coisa e Uma canção cobrem o seguro contra terceiros, aconselho a utilização de alarmes.