Objetos, de Carlos Augusto Lima, guarda apenas oito poemas. Pouco diante de tantos escritores que pensam que o respeito e a definição do gênero vêm do número de páginas. Muito para habitar um livro. O poeta cearense larga com uma virtude rara: a unidade de suas peças, com uma regularidade rítmica que sedimenta as paredes da casa. A postura anticomercial está expressa na módica tiragem de 200 exemplares. Com jeito artesanal, um fio vermelho trança as páginas de tom laranja. Gravuras de Wladimir Fontes aprofundam o relevo dos versos. A brochura inspira ao tato e à convivência.
O timbre é intenso e meditativo, irmanando-se à concentração expansiva de Manoel Ricardo Lima (Embrulho). Poesia provocativa, que não se conforma com a forma, mas luta contra ela, estica e dilacera a linguagem, substituindo a representação mental das coisas e subtraindo a alfabetização. “Cortar com olhos livres/ o nome.” Não importa o funcionamento dos objetos, mas o que significam. Eles não mais carregam um sentido de utilização e de dependência. Vencido o tempo útil, inutilizam o homem. São desvinculados dos antecedentes de fabricação e adquirem com o desuso uma “discreta coloração particular”.
Carlos Augusto Lima desarruma o mobiliário, o ínfimo relicário, fazendo um passeio de despedida pela cômoda, estante, cama, mesa, caneta e giletes. De sujeito vira alvo, visitado e absorvido pela herança. As pausas imitam os tiques de um inventário, o listar infindo das perdas. Um item corrompe e multiplica o outro: “latão, parafusos, / tintura encardida de/ preto/ ferrugem/ sustentação de mundo.” Observações casuais abrem uma via de transcendência, desfigurando os pertences em novas atitudes verbais. A faxina provoca uma anarquia de sentido. A desmontagem permite achados, tal a identificação de um álbum de fotografias como “gente em conserva”. O mutismo das coisas ensina o observador a falar sem a boca. O fracasso dos apontamentos é, na verdade, comoção do silêncio.