O velho abriu os olhos e ordenou: “Ponham-me de pé”. Uma luz amarga entrava pelas venezianas, riscando o ar com traços alaranjados. Ao pé da cama, a mulher mirou as fibras luminosas que cortavam o quarto e, unindo as mãos, comentou: “É um bordado de deus”.
“O que senhor perguntou, pai?”, o filho quis saber, sem dar atenção ao comentário da mãe e respondendo a uma pergunta que o velho não tinha feito, pois ele se limitara a dar uma ordem. Era mais o desejo de ouvir uma pergunta que, invertendo o sentido das coisas, o levava a questionar as palavras do pai. Tinha entrado só alguns minutos antes em casa, vindo do Recife, ainda nem desfizera as malas. Mas, com uma lentidão que desmentia tudo isso, como se estivesse cheio de tédio, se aproximou um pouco mais da cabeceira da cama e ali se deixou ficar. “Você ouviu muito bem o que eu disse”, o velho respondeu, por fim. “Eu pedi que me levantem. O que estão esperando?”
A mulher, concentrando-se por fim nas palavras do marido, fez um diagnóstico: “A febre deve estar cedendo”, e sua voz chiada confundia-se com a fala do locutor, expedida pelo rádio na mesa de cabeceira, voz de um homem que parecia enlevado pela convicção e pela esperança. Ela espalmou a mão sobre a testa do velho e logo se corrigiu: “Não está não. Ele ainda está fervendo”. E depois sacudiu os braços, como um chicote, desejando afastar de si algo que não suportava ter.
O filho se agachou e, com palavras inaudíveis, aconselhou o pai: “É melhor o senhor continuar deitado”. Nem chegara a completar o que dizia, e Odete entrou no quarto carregando uma jarra com água, que deixou sobre a cômoda. Ninguém lhe deu atenção, mas o filho pôde notar que ela estava mais cansada, pois mal podia erguer os pés, rastejando pelo assoalho como se patinasse. “É o tempo”, ele pensou, buscando um paralelo que pudesse consolá-lo; e se deteve nessa idéia o que, para um rapaz que mal chegara aos vinte anos, era bastante incomum.
Ao olhar para as mãos do marido, a mulher viu ossos que saltavam, mimetizando as garras de um pássaro. Ele tentava se levantar sozinho, mas parecia preso à cama por alguma imantação, pois a cabeça sempre caía de volta sobre o travesseiro. “Onde o senhor pensa que vai?”, o filho perguntou, zangado. Odete veio ajeitar o travesseiro, mas a cabeça do velho estava pesada demais para que a empregada pudesse movê-la e ela logo desistiu. Ali ficou, contudo, segurando a ponta da fronha, agarrada a um fio que, naquele momento, talvez fosse o único a ligar o velho à família.
A mulher, indiferente ao esforço de Odete, se ergueu, pegou um termômetro e, depois de agitá-lo, colocou-o na boca do marido. Cruzou os braços e permaneceu de pé à cabeceira, à espera de que o instrumento desmentisse aquilo que ela já sabia. “Chegue mais perto”, o velho pediu, dirigindo-se ao filho, enquanto o termômetro, umedecido pela saliva, começava a escorrer. O marido nem olhava para a mulher, com sua pose de soldado em plantão e sua papada gelatinosa, mal escondida sob um colar de pérolas falsas. Era o que veria se prestasse mais atenção: um pescoço cheio de gordura, a ponta torta de um nariz e um chumaço de cabelos em desordem. Sua mulher tinha se convertido naquele vulto, que não chegava a ser apaziguante.
Percebendo que o pai se enchera de repulsa, o filho interveio: “Chegue mais perto também, mãe”. Sabia que o velho se preparava para fazer um pedido, talvez seu último pedido, pois os médicos lhe davam só mais algumas horas de vida, ou talvez uns poucos dias. “Ele quer apenas se expressar”, pensou, “faz como as aves que piam só para se certificar de que ainda vivem”. Pensamento que, por breves instantes, o aliviou mas, logo depois, lançou-o em funda prostração. Tinha vontade de partir imediatamente, de deixar tudo aquilo para trás, tudo arquivado no mundo das coisas improváveis e até impossíveis; mas não podia, pois sentimentos em forma de âncoras o mantinham preso ali.
“Levante-me”, o velho insistiu, agora com a voz um pouco mais esganiçada, de alguém que começa a perder o contato consigo mesmo. Mãe e filho, porém, continuaram imóveis. “Vão ficar aí parados?”, o pai reclamou. “O que estão esperando?” Sem saber o que dizer, nem como agir, a mulher, sempre acostumada a dar as ordens dentro de casa, pediu: “Odete, chegue mais perto!” A empregada limpou as mãos no avental e se aproximou, contrafeita, porque se sentia manipulada; esperavam que agisse, logo ela que se sentia tão lenta e gorda, e num momento em que ação alguma podia ter eficácia.
Ficaram parados em torno da cama, formando um círculo que, se fosse visto do alto, ganharia, provavelmente, uma aparência mística. O filho achou que alguém devia falar, já que o silêncio se tornava opressivo, e perguntou: “Ficar de pé para quê, pai?” A comadre estava sob a cama, para atender as necessidades do velho. “Quer urinar?”, o rapaz supôs. Já ia se abaixando para apanhá-la quando ouviu o velho emitir um chiado de reprovação, do qual não se podia excluir o nojo.
“Quero me levantar”, o pai o corrigiu, em tom aborrecido. Nada mais havia a fazer senão obedecê-lo. Era um desejo tolo, sem sentido, e até inconveniente, mas não podiam negá-lo. Não agora. Todos sabiam disso, mas só o filho tinha coragem de aceitar.
Começou então a puxá-lo para cima, com grandes dificuldades, pois lhe faltavam pontos de apoio. Os ossos do velho produziam estalos, misturando-se como peças soltas dentro de um saco de pele. Não devia ter, agora, mais que quarenta quilos e, no entanto, parecia mais pesado que o habitual. Algo de imaterial se incorporava a esse peso, algo que não se podia ver mas que, justamente por isso, agia. “Odete, ampare-o pela cintura”, a mãe pediu, entendendo que só lhe restava seguir a decisão do filho. Depois, voltando-se para o rapaz, não conseguiu se conter: “Isso tudo é uma loucura”.
O velho, finalmente, ficou de pé ao lado da cama. As calças, amarradas sobre os quadris, deslizavam pelas pernas. O paletó do pijama tinha os botões presos em casas trocadas e estava amarfanhado, com a aparência de um fole. Bem que ele ainda tentou ajeitar os cabelos, mas os fios estavam enroscados e, além disso, eram muito frágeis; o pai já não tinha forças nem mesmo para se pentear.
“Agora me soltem”, ele ordenou, com uma voz ardente que parecia vir dos fundos da casa, de zonas obscuras onde ficavam o chiqueiro e o matadouro. Odete, talvez por cansaço, foi a primeira a largá-lo. O velho vacilou um pouco e o filho teve que ampará-lo com mais firmeza. “Ele vai cair”, a mãe gritou, desconsolada. Naquele momento, o rapaz começou a entender.
“Vamos, mãe, faz o que ele pede”, insistiu. O horror estava estampado na face da velha quando ela voltou a segurar o braço do marido. Mas, logo em seguida, sem explicação alguma, ela o largou. Houve um tremor suave, semelhante ao aviso silencioso que antecede os terremotos e só é percebido pelos cães. Então, o filho também soltou o corpo do pai que, arrancando a voz do fundo dos pulmões, conseguiu dizer: “Pelo Brasil”. Ou foi o que o filho achou que ouviu, embaralhando talvez os murmúrios do velho com as frases que, numa chiadeira incômoda, vinham do aparelho de rádio. Um deputado, em praça pública, fazia seu discurso.
Pouco antes disso, muito pouco, ainda de pé por brevíssimos instantes, e sem que ninguém o escorasse, em posição reta e solene, o velho fechou os olhos e morreu. Difícil saber se disse aquela frase quando ainda estava vivo, ou se a disse já depois de morto. Talvez nem mesmo a tivesse pronunciado, mas foi a frase que ficou.
Quando o deitaram novamente, ele já habitava outro país.