Tradução e nota de Ronald Polito
O nome de José Juan Tablada deveria dispensar apresentações, tal a grandiosidade de sua obra, não fosse o pequeno conhecimento que, no Brasil, temos da literatura hispano-americana. Tablada nasceu no México, em 3 de abril de 1871, e morreu em Nova York, em 2 de agosto de 1945. Modernista em sua primeira fase, defendeu a nova estética na Revista Moderna (1898-1911). Talvez tenha visitado o Japão em 1900, mas há dúvidas sobre esta viagem. É desta época o gosto que adquire pela arte e pela poesia japonesas, particularmente pelo haicai, sendo ele provavelmente o primeiro latino-americano a escrever e publicar haicais no Novo Continente, antecipando-se, portanto, a Guilherme de Almeida. Com a queda de Victoriano Huerta, em 1914, Tablada teve sua casa saqueada e a sua coleção de objetos de arte japonesa foi destruída. O poeta migrou então para Nova York, onde viveu até sua morte. Profundo conhecedor da arte pré-hispânica e da arte popular da América Espanhola, deixou textos importantes a este respeito, além de empregar vários termos da língua náuatle em seus poemas. Amigo de López Velarde e defensor dos pintores Orozco e Rivera, libertou a metáfora antes dos Ultraístas e escreveu poemas caligramáticos quase ao mesmo tempo que Apollinaire, de que é exemplo o seu genial poema ‘‘Li-Po’’, do livro Li-Po y otros poemas. No poema de Tablada, os poemas de Li-Po são parafraseados e ao mesmo tempo mesclados com a fabular biografia do conhecido poeta chinês. Aliás, o livro Li-Po y otros poemas e o seguinte, El jarro de flores, são radicalmente experimentais, com o poeta dialogando em particular com o Futurismo na literatura. Edgar Varèse escreveu em 1922 uma catata, intitulada Offrandes, com um poema de Tablada e outro de Huidobro, o que dá bem a medida do interesse de Tablada por todas as vanguardas do princípio do século. Mas é conveniente anotar que Tablada também escreveu poemas em todos os metros e formas, sendo exímio em qualquer um deles. Octavio Paz sempre sublinhou a importância de Tablada para sua própria obra, tanto em termos formais quanto temáticos, o que pode ser verificado em algumas cartas que remeteu a Haroldo de Campos (publicadas no volume Transblanco). Os principais livros de poesia de Tablada são: El florilegio (1899); Al sol y bajo la luna (1910); Un día… (1919); Li-Po y otros poemas (1920); El jarro de flores (1922) e La feria (1928). Os haicais aqui traduzidos fazem parte de seu livro Un día…, e é importante observar, por um lado, a liberdade formal dos mesmos, que não se prendem a um padrão métrico, bem como, por outro, a sua liberdade temática, por não se aterem ao clássico tema japonês das estações do ano. Em minhas traduções, tentei reconstituir, em diversos momentos, as rimas e a métrica originais. Até onde sei, nunca foram publicados poemas traduzidos de Tablada no Brasil.
El Saúz
Tierno saúz
casi oro, casi ámbar,
casi luz…
O salgueiro
Terno salgueiro
quase ouro, quase âmbar,
quase luzeiro…
…
Los gansos
Por nada los gansos
tocan alarma
en sus trompetas de barro.
Os gansos
Por nada os gansos
tocam alarme
em suas trombetas de barro.
…
Los sapos
Trozos de barro,
por la senda en penumbra
saltan los sapos.
Os sapos
Bocados de barro,
pela senda em penumbra
saltam os sapos.
…
Mariposa nocturna
Devuelve a la desnuda rama,
nocturna mariposa,
las hojas secas de tus alas.
Mariposa noturna
Restitui à desnuda rama,
noturna mariposa,
as folhas secas de tuas asas.
…
La araña
Recorriendo su tela
esta luna clarísima
tiene a la araña en vela.
A aranha
Pela teia em reparo
esta lua tão nítida
tem à aranha em claro.
…
La luna
Es mas la noche negra,
la nube es una concha,
la luna es una perla…
A lua
É mar a noite negra,
a nuvem uma concha,
a lua uma pérola…
…
El bambú
Cohete de larga vara
el bambú apenas sube se doblega
en lluvia de menudas esmeraldas.
O bambu
Foguete de longa vara
o bambu apenas sobe se dobra
em chuva de miúdas esmeraldas.
…
Libélula
Porfía la libélula
por prender su cruz transparente
en la rama desnuda y trémula.
Libélula
Empenha-se a libélula
em prender sua cruz translúcida
na ramada desnuda e trêmula.
…
En liliput
Hormigas sobre un
grillo inerte. Recuerdo
de Gulliver en Liliput.
Em liliput
Formigas sobre um
grilo inerte. Lembrança
de Guliver em Liliput.
…
Vuelos
Juntos en la tarde tranquila
vuelan notas de Ángelus,
murciélagos y golondrinas.
Vôos
Juntos pela tarde tranqüila
voam notas de Ângelus,
morcegos e andorinhas.
…
El mono
El pequeño mono me mira…
¡Quisiera decirme
algo que se le olvida!
O mono
O pequeno mono me fita…
Quisera dizer-me
algo que se lhe olvida!
…
Panorama
Bajo de mi ventana, la luna en los tejados
y las sombras chinescas
y la música china de los gatos.
Panorama
Sob minha janela, a lua nos telhados
e as sombras chinesas
e a música chinesa dos gatos.
…
Peces Voladores
Al golpe del oro solar
estalla en astillas el vidrio del mar.
Peixes voadores
Ao golpe do ouro solar
estala em estilhas o vidro do mar.
…
Sandía
Del verano, roja y fría
carcajada,
rebanada
de sandía.
Melancia
Do verão, vermelha e fria
gargalhada,
lasca da
melancia.
…
El burrito
Mientras lo cargan
sueña el burrito amosquilado
en paraísos de esmeralda…
O burrinho
Tomando a carga
sonha o burrinho mosqueado
com paraísos de esmeralda…