As perdas luminosas: uma análise da poesia de Ruy Espinheira Filho é a mais recente empreitada intelectual do crítico e poeta Iacyr Anderson Freitas. Este mineiro que no ano passado fez com que a União Brasileira de Escritores, pela primeira vez em 43 anos de existência, dividisse o prêmio de melhor obra poética para dois de seus livros (Messe e Oceano Coligido) está mais forte na luta por um espaço digno para a poesia brasileira. Ele aproveita a notoriedade que vem alcançando, sobretudo pela qualidade da sua obra, para arrombar algumas portas do que chama “eixo midiático” e leva consigo nomes importantes, como o agraciado neste mais recente livro. A análise da obra de Ruy Espinheira Filho é uma tentativa, segundo o autor, de “aproximar a crítica da obra de poetas contemporâneos” e ele o faz com maestria, aliando o conhecimento de um teórico com a sensibilidade de um poeta e uma curiosidade quase pueril, que nos impõe e responde charadas desconcertantes.
O livro, que foi publicado em regime de co-edição pela Fundação Casa de Jorge Amado e pela Editora da Universidade Federal da Bahia, começou a ser estruturado na década de 90, a partir da percepção de seu autor sobre a falta, na época, de um estudo de fôlego sobre a importante obra do poeta baiano.
Em seis capítulos, o autor faz uma viagem ao mundo poético de Ruy Espinheira Filho, discute o tema e a técnica, a forma e o conteúdo. A primeira parte do estudo trata da idealização do passado, da memória. Iacyr busca “compreender a tensão que cerca a presentificação do passado, ao lado da procura obstinada e inútil de um sentido existencial tranqüilizador”.
Com isso, a vida passa a ser percebida como exílio, cujo único alento é a morte, tema que ganha uma análise criativa no segundo capítulo. A terceira parte trata das antíteses, das figuras de repetição, das figuras de efeito sonoro, da análise lexical, da fragmentação do texto e da modulação do discurso. A metáfora em Ruy Espinheira Filho é o tema do quarto capítulo, com destaque para as imagens visionárias. O autor analisa também nessa parte do estudo os signos de continuidade, que denunciam a condenação permanente do “estar-no-mundo” e os signos de exclusão, freqüentes na obra como signos mortuários.
O poema Jardim é objeto de análise da quinta parte do estudo. Este é um poema exemplar, no qual Iacyr comprova a maioria das observações feitas nos capítulos anteriores. A última parte apresenta as conclusões do autor a respeito do caminho percorrido na obra e pela obra de Ruy Espinheira Filho.
Enfim, Iacyr conseguiu mais uma vez uma obra duplamente importante: primeiro, por apresentar uma análise criativa da poesia de Ruy Espinheira Filho; segundo por se impor como um dos intelectuais mais ativos da atualidade, que demonstra um fôlego de adolescente para abrir o espaço merecido pela excepcional poesia que é produzida hoje no Brasil.
Jardim
Ruy Espinheira Filho
Não a brisa. O que
perpassa é um frêmito
de ternura.
No silêncio, na
carne, marulha
extinta carícia.
Os olhos, cerrados,
resgatam o encanto,
o embalo amoroso.
Ontem. Uma folha
— lenta, amarela —
risca a hora. Morta.
(Morte secreta e poesia anterior, p. 165)