A poesia gaúcha só não é pior que a piauiense e a acreana; e é separando os gêneros que a mediocridade se torna ainda mais abrangente. Do lado masculino, a credibilidade e o respeito residem nos cemitérios, com honrosas exceções. Carlos Nejar, Armindo Trevisan e se olharmos com extrema boa vontade, somos capazes de avistar sutil relevância na pieguice regionalista de Luiz Coronel. Fabrício Carpinejar ainda precisa “quebrar muita geada” para se ombrear ao pai e não vejo outro com potencial capaz de exterminar a morbidez dos versos rio-grandenses. A porção feminina é um desastre: ou não nasceram ou ainda não morreram. Confesso não saber a resposta, embora um suspiro poético possa ser escutado lá — Martha Medeiros; e outro acolá — Paula Taitelbaum —, que em seu terceiro livro (nada homogêneo) desperdiça a oportunidade de fazer uma revolução e se satisfaz com uma breve guerrilha. Coerções internas ou externas (des)ordenaram os versos de Paula?
Consequentemente a poesia das mulheres gaúchas esperneia abaixo da linha da pobreza, resultado da despreocupação com a inventividade que sepulta nuanças e amorna a intensidade. A poesia exige vitalidade extrema e não aceita limites.
Mundo da lua não tem as surpresas de Eu sem vergonha, seu segundo livro, e o atrevimento que, embora breve, já mostrava sua cara em Eu versos eu, livro de estréia de Paula, como podemos ver nos versos: “Até hoje/ Ninguém reclamou/ De me comer assim/Crua” ou “Em nome do pai,/ Do filho/ E do Espírito Santo,/ Hímen”.
Mundo da lua está dividido em quatro: Monte de Vênus é seu lado mais forte, mais ousado, instigante, irresistível, o clímax nas primeiras páginas, o gozo óbvio. Paula perde a cerimônia sem ceder à vulgaridade, é direta como a mulher que na cama não perde tempo, trepa e não interpreta. E o leitor, já nas nuvens, embarca no jogo de sedução, procura, procura até se dar conta que o melhor já passou. Ejaculação precoce? Arrependida por se mostrar brusca a ilusória proteção dos questionamentos mais banais e seguem-se momentos de alienante saciedade, combinados com frustração. As outras partes traduzem uma poeta inquieta, que decidiu ser modesta, quer na ironia, quer no equilíbrio racional/emocional. Positivo? Negativo? Apenas o nível de exigência do leitor saberá avaliar. Se em seus livros anteriores Paula foi menina/abusada/descompromissada, combinando o lúdico com o “sacana”, agora a mulher/ poeta/mãe pisou no freio. A emoção está dispersa na tentativa vã de fundir o erótico com o maternal. A indefinição da diretiva temática, não implica em riqueza, não disfarça a superficialidade da abordagem e deixa no ar a suspeita do ouvido-conservador-do-editor-temeroso-em-lançar um livro de sofisticado teor erótico como atesta a primeira parte de Mundo da lua.
Espera-se que brevemente Paula volte ao tema e brinde os leitores com um volume exclusivo de sua requintada, sem perder a emoção, poesia erótica. Faria um bem gigantesco à poesia brasileira, farta em falsos moralismos. A matrona (poesia feminina) esqueceu os lençóis e se dedica a definir a textura tediosa da toalha do chá ornamentada com uma imagética bobinha. Excetuando-se a escovação de dentes, nada mais emociona.
Paula tem um quê da pieguice de Luiz Coronel, que, como toda pieguice, cansa, constrange e deixa o leitor à beira do enjôo. Não esquecendo o paradoxo, credito tal opção pelo óbvio sentimentalóide às almas publicitárias de ambos: tal característica os torna extremamente objetivos, quase simplórios.
A poeta desprendida dos livros anteriores desta feita se oferece ao leitor dentro de uma armadura conservadora, a começar pela falsa intimidade do press release, ao abuso da fórmula que impõe limites muito estreitos ao seu potencial, fazendo de Mundo da lua uma alternância de bons e maus momentos, alguns são tão bons, mas tão exageradamente bons, que levam à inevitável conclusão que muitos poemas podiam ficar restritos às reuniões familiares. Dois exemplos: Um fundamental para manter acesa a expectativa de um novo livro: “Ela espera que o esperma espalhe-se entre seus pentelhos/Aguarda a água que abunda a boca para matar sua sede de mãe/Quer qualquer um que a fecunde ainda fértil/ Só pensa no tempo que se esgota gotejante? Ela pede entre incensos e velas/Se Deus é mesmo homem/Que faça Ele um filho nela”. E um constrangedor: “Até meus lapsos andam inaptos sem impacto quase lácteos/ Sinto falta da ruptura e do que não é asséptico/ Disfarço fingindo ser péptica técnica apta a optar por um pacto/ Desejo do desconhecido um rapto”.
Muito além da pasmaceira poética que contamina as poetas escoradas (até quando?) na dor de cotovelo ou embevecidas ante o balanço do mar e o som das gaivotas, a poesia de estilo livre de Paula não merece a timidez, medo, mordaça ou moralismo, quer da autora, quer da editora. Entre o arrebatamento anunciado e a discrição, a autora ficou com a segunda opção. Podia escolher entre a trilha de Florbela Espanca ou quem sabe Madonna, mas preferiu a submissão de Penélope.
“Tenho esquecido/ Os compromissos/ As compressas/ E os caprichos/ Tenho sido submissa/ Noviça de uma nova religião/ Tenho rezado no silêncio do colchão/ E rasgado meu sono/ Meu silêncio/ Tenho tido mais paciência/ E mais medo/ E vontade de deitar mais cedo/ Tenho tido menos tesão/ Menos tempo pra diversão/ Mas em compensação/ Descobri a capacidade/ De sentir a eternidade”.
Que Paula se solte, esqueça os fragmentos e se reencontre num próximo livro com a temática de Monte de Vênus, o erotismo lírico e intenso. Paula consegue. Os leitores merecem. Feito isso, difícil será encontrar um equivalente estético à corajosa e talentosa autora.