Escola sem conflito

Tania Zagury dispensaria apresentações
01/02/2003

Tania Zagury dispensaria apresentações. Mas, se você ainda não teve a oportunidade de encontrar seus escritos em livros ou revistas — e são textos de se encontrar, em dois sentidos —, ainda é tempo de fazê-lo. Uma matéria sobre os “filhos-canguru” (que se prendem aos pais mais que o normal de outras gerações, até se casando e ficando agregados a eles), na revista Galileu (2000), me chamou a atenção sobre sua voz e lucidez. Publicou vários livros, todos pela Record: Sem padecer no paraíso: em defesa dos pais ou sobre a tirania dos filhos (1991), tema altamente oportuno nesses tempos de pequenos tiranos; Educar sem culpa: a gênese da ética (1992), em que ressalta a validade da ética no processo educacional; O adolescente por ele mesmo (1996), que constitui um vasto painel dos adolescentes brasileiros a partir de entrevistas com quase mil jovens das mais diversas localidades; Rampa (1997), sua estréia na ficção romanesca com o tema dos sem-teto; Encurtando a adolescência (1999); e, mais recentemente, Limites sem trauma: construindo cidadãos (2000), retomando o tema do livro inicial com sucesso de vendas e crítica.

Seu novo livro, Escola sem conflito: parceria com os pais (Record, 2002), à primeira vista parece chover no molhado. Isso para quem, como eu, conhece tão bem a rotina das escolas e a difícil tarefa de padecer no paraíso (como mãe em casa e, por extensão, como mãe do filho dos outros na escola), pois educar é assim, tem muito do lado materno, da doação sem interesses. Para os dois casos, é preciso de força vital, essa energia que nos faz acreditar no ser humano e até entender suas fraquezas.

No contexto da atualidade, ser adulto não significa ser sensato, coerente e maduro. Nunca foi, mas em gerações anteriores essa imagem da maturidade aliada à vida adulta era aparentemente mais convincente. Realmente o contexto era outro, as mães não se sentiam tão divididas entre trabalho profissional e funções domésticas, essa triste sina do gênero feminino (e digo gênero porque nesse caso deixa-se mesmo o aspecto do humano de lado, pois a mulher é transformada num robô atarefado). As obrigações sobre a mulher só aumentaram. Se antes ficavam aborrecidas e com um certo sentimento de anulação pessoal em prol dos filhos, agora precisam ser modernas e, conseqüentemente, estressadas, na tentativa de dar conta de ser uma boa profissional e ao mesmo tempo uma mãe participante. Porque, com a exigência social sobre ela, ser boa mãe é pouco. Não basta lavar-passar-cozinhar-limpar-arrumar-dirigir a casa e a vida dos seus. Ainda precisa ter um certo grau de discernimento para fazer/proporcionar as escolhas certas na vida dos filhos.

É justamente nesse papel, de educadoras, que as mães (digo melhor, os pais) deveriam se aliar aos educadores profissionais. O objetivo final é um só: a educação de seu filho. Porque essa parceria dá certo. Sem ela, os problemas inerentes ao processo escolar, com todas as suas complexidades, ficam agravados. Nesse ponto o novo livro de Tania Zagury vai direto, ensinando a escolher, acompanhar e avaliar a escola do seu filho e orientando você a fazer dele um bom estudante.

A editora Luciana Villas-Boas observa, em texto da orelha do livro, o quanto a relação atual entre escola e pais está fragilizada, após tantas mudanças recentes: “Os pais parecem desconfiar permanentemente dos professores e equipes pedagógicas. A escola, por sua vez, está acuada, sem saber como se relacionar com a família, pois enquanto muitos pais querem todo o tempo polemizar sobre métodos e critérios educacionais, outros, ao contrário, são rigorosamente ausentes, entregando ao estabelecimento escolar a integral responsabilidade pela educação das crianças”.

A autora inicia a principal questão tratada — a frágil relação atual entre pais e escola — a partir da vivência familiar, mais precisamente do nascimento da criança. Os sonhos e ilusões da gestação, a complicada realidade após o nascimento, a difícil arte de amar e dar conta do novo ser que agora é de nossa inteira responsabilidade. Partindo da necessidade dos pais de conciliar vida familiar, trabalho e educação dos filhos, a escola assume o importante papel de parceira: “Ao matricular a criança, estamos praticamente assinando uma procuração, passando para terceiros a formação de nosso filho: quer no que se refere ao conteúdo programático que será desenvolvido, que terá influência no seu futuro profissional, como no que concerne à formação de hábitos, atitudes e, acima de tudo, da formação mais ampla e importante, a mente dos nossos filhos, a forma de ver o mundo e a sociedade” (p. 21).

E esse desejo de uma formação mais ampla é o que deixa os pais ansiosos na hora de delegar a outros a formação do próprio filho. Na verdade, a palavra definitiva é mesmo parceria, pois a formação humana da vivência familiar é até maior que a que a escola vai proporcionar. Sem essa parceria, o processo de formação fica capenga. Pais ausentes tanto da vida escolar como da afetiva/social do filho geram muitas vezes crianças com conflitos de relacionamento, dificuldades de desenvolvimento pessoal e até escolar. Porque escola também inclui a vida, além da grade curricular. Formação é algo maior, para a vida por completo. A escola, de modo geral, já compreendeu isso e se esforça por dar conta de um ensino adequado, voltado para a formação de seres humanos conscientes, participativos, sem preconceitos e limitações de qualquer ordem.

Quando os pais esperam isso de uma escola, a escolha da primeira naturalmente é motivo de apreensão. Tania Zagury levanta as questões mais comuns que envolvem essa escolha e tece comentários apropriados, endossando os ganhos valiosos da criança que vai cedo à escola: orientação de profissionais especializados, menor influência da televisão, desenvolvimento intelectual e social, desenvolvimento de hábitos e habilidades fundamentais para a aquisição da leitura e da escrita (primeiro passo para a aprendizagem escolar e posterior, pois formar leitores permanentes garante uma formação integral).

Despretensioso, sem fórmulas mágicas prontas, o livro se apresenta como uma troca de experiência (inclui muitos depoimentos pessoais da autora, que abordam as dificuldade e os acertos como mãe em diversas situações). Então, o que seria o já-dito (que sempre deve ser recomendado nesses casos conflituosos, pois não se pode desacreditar das funções de pais e educadores), transforma-se numa troca justa, proveitosa e ao mesmo tempo necessária. Porque, quando se está a ponto de achar tudo difícil ou impossível (filhos!!!… alunos!!!…), ouvir o outro é bom, mais objetivo, pois para quem está no centro do furacão tudo gira e, do lado de fora e depois de ter passado por algo semelhante, o olhar do outro é sempre mais claro.

Mais que orientar pais e educadores, Tania Zagury realiza uma tarefa peculiar: com sua articulação poderosa, injeta ânimo, coragem, força e sei lá mais o que é necessário para acreditar. Acreditar no homem, na sua capacidade de crescimento. O que poderia ser um blá se torna apoio, resistência.

Silvana Seffrin

É professora e revisora.

Rascunho