Poemas de José Fernando

Leia os poemas "Tédio celestial", "Avesso" e "Por aí, paisagens"
01/04/2003

Tédio celestial

“Quem mediu a água do mar
Com as conchas da mãos
Ou mediu o céu com os dedos”
(Isaías 40:12)

Lá, onde o mar se confunde com o céu
Dizem que mora um deus
Que brinca de soprar barquinhos
Como, se eterno infante,
Fizesse da eternidade
Um constante brinquedo.

Esse deus-menino
Sofre dos males da solidão
E, triste, todo dia
Inventa brinquedos novos
Brisas, mausventos, tempestades.
E os raios, coriscos, trovões
São apenas efeitos
De um tédio abissal.

Avesso

“Os nossos corações
estão doentes, e as lágrimas
escurecem a nossa visão” (Lamentações 4:17)

Perdi a noção do riso
Foi num desses ontens que se esquecem
Numa tarde de tempestade
Ou nalgum intervalo
Entre um nanopentelhosegundo e outro.

Rir?

Essa faculdade foi nos dada
Num momento de escárnio divino
Afinal, se nos olhamos do começo ao fim
Não se vê razão
Para a escancarada gargalhada.

No segundo seguinte, talvez, mortos

E rir em tal condição
É chorar às avessas.

Por aí, paisagens

“Até os jovens se cansam,
e os moços tropeçam e caem” (Isaías 40:30)

Caminho
A queimar paisagens.

Árvores, campos, e até o mar
Fumam.
Ardência nos meus olhos

A fumaça estampa-se no céu,
Tatua
A brevidade em coisa eterna

Meus braços soltos
Ardentes
Despedem-me do meu tempo.

Caminho
A queimar-me na paisagem.

José Fernando

Nasceu em Maringá, Norte do Paraná. É jornalista em Curitiba. Autor de Pó do tempo (poesias e contos, 1997); Ana-Sonha-Mundo e o Arco-íris (infantil, 1997); Beijos da chuva (poesias, 2001). Os poemas aqui publicados integram seu próximo livro ainda sem título.

Rascunho