Polzonoff ajoelhado no milho

Antes de qualquer coisa, eu queria agradecer aos dois articulistas, que gastaram seus preciosos e privilegiados cérebros me fazendo ver algo tão profundo e de efeito tão devastador sobre minha pessoa
Paulo Polzonoff Jr, autor de “A Face Oculta De Nova York”
01/05/2003

Antes de qualquer coisa, eu queria agradecer aos dois articulistas, que gastaram seus preciosos e privilegiados cérebros me fazendo ver algo tão profundo e de efeito tão devastador sobre minha pessoa. Realmente, eles estão certos e eu não tenho critérios, sou burro, feio, cara de mamão, não sei debater, sou falso polemista, incoerente, tenho frieira, não sei diferenciar uma Averbuck de uma Young (sei sim: a Averbuck é mais bonita), sou arrogante, arroto na mesa e me jogo no chão do supermercado quando quero um doce.

Graças aos argumentos irrefutáveis dos dois articulistas (donde se destaca a parte em que elogiar a heróica resistência cubana — hahahaha!), vou mudar completamente o meu modo de ler livros, meu modo de escrever, meu modo de encarar a vida. A partir de hoje, vou ser mais científico e só escrevei críticas com 50 notas de rodapé, chamarei os poetas medíocres de gênios, os prosadores sem articulação alguma de mestres e, sobretudo, não terei mais o menor senso de humor e ostentarei uma placa na testa onde se lerá: INTELEQUITUAL. Mais: pedirei a bênção do papai e da mamãe, escovarei os dentes antes de dormir, não colocarei os cotovelos na mesa e jamais direi palavrão. Graças às argutas palavras dos dois articulistas, ascenderei ao Céu, atingirei o Nirvana, mobilizarei as massas em direção à utopia marxista.

A mudança, contudo, não ocorrerá de imediato. Por isso, peço desculpas já para usar um artigo do próprio Alexandre Soares Silva, em resposta às palavras engraçadíssimas dos dois articulistas, que conseguem, em poucos parágrafos, cobrar duas coisas absurdas de um escritor: compromisso social e apego à realidade. Não é à toa que a literatura brasileira esteja em petição de miséria. Ora, se os escritores não se permitem rir de si mesmos… Com vocês, para ilustrar o que penso, Alexandre Soares Silva em… As Quatro Salas:

Todos os assuntos do mundo são discutidos em quatro salas: a dos chatos burros, a dos chatos inteligentes, a dos divertidos burros e a dos divertidos inteligentes.

Sempre foi assim. Quatro salas, ao longo de milhares de anos.

Por vaidade, acho que estou na dos divertidos inteligentes. Todo mundo acha que está na dos divertidos inteligentes. Menos os chatos burros, que se orgulham da própria chatice; mas esses também se enganam ao achar que estão na sala dos chatos inteligentes.

Uma coisa sobre a hierarquia das salas: a mais respeitada é a dos chatos inteligentes. Porque os chatos fundamentam tudo o que dizem, e fundam sistemas e são coerentes.

Freqüentemente, nesta que eu acho que é a sala dos divertidos inteligentes, digo casualmente alguma coisa sobre, digamos, a lei. Não fundamento nada, porque não quero ser chato. Uma regra para não ser chato: chute. Nenhum chato chuta o que diz. E ninguém que chuta é chato.

Mas daí aparece alguém e diz: lá na sala dos chatos inteligentes já refutaram isso que você disse faz tempo, ó.

Entro na sala dos chatos inteligentes para perguntar se é verdade. Um grupinho de homens (homens são mais chatos que mulheres. São mesmo) estão conversando, digo, monologando em turnos, com vozes lentas e pastosas. Espero por uma pausa para poder fazer a minha pergunta, mas não há pausa. Alguém me faz um gesto para que eu sente; eu sento.

Por acaso, o sujeito gordo que está falando (canetas no bolso. Chatos têm canetas no bolso) está falando exatamente sobre lei. Está se aproximando do exato tópico em que supostamente fui refutado. Mas ele fala pau-sa-da-men-te, entre uma palavra e outra engole e dá para ouvir o som do ventilador e de um carro passando na rua, e eu tiro um cochilo, e acordo, e ele ainda está no mesmo período começado lá atrás com um outrossim.

Todo debate sério é feito nessa sala. São inteligentes, mas me fazem dormir. Pessoas caídas nos cantos acordam de vez em quando e prestam atenção no que está sendo dito, e comentam: “Ah, você ouviu o que o gordinho disse?” E você só é respeitado intelectualmente se passar por esse ritual, e ficar anos e anos estirado ali no chão, lutando contra a narcolepsia como Dostoiévski lutando contra um ataque epiléptico.

Voltei para a minha sala, seja ela qual for, porque não quero ficar ali estirado no chão dormindo. Quer saber? Ninguém está certo por ser chato. Ninguém está errado por ser divertido. E acima de tudo, ninguém está certo porque é tão chato que ninguém ficou acordado tempo suficiente para refutá-lo.

Paulo Polzonoff Jr.
Rascunho