Friederich Engels era filho de um próspero fabricante de tecidos. Certo dia, seu pai, querendo familiarizá-lo com sua eventual herança, o levou para um passeio pela fábrica. O menino ficou profundamente chocado pela condição miserável dos trabalhadores e mais chocado ainda ao ver crianças da sua idade trabalhando. Ao final da visita não disse ao pai o que sentira. Voltou para casa muito agitado e foi logo perguntando à sua mãe:
— Eu também terei de trabalhar na fábrica?
— Não, meu querido, graças a Deus a fábrica é de nossa propriedade.
— E as crianças que trabalham na fábrica. Você acha que elas estão felizes?
— Não, Friederich, não felizes como você. Mas é melhor você não preocupar sua cabecinha com essas coisas. Ninguém pode mudar isso, nem mesmo você.
Engels dormiu muito pouco naquela noite. Na manhã seguinte, quando sua mãe o acordou, a primeira coisa que perguntou foi o seguinte:
— Mãe, suponhamos que eu queira mudar as coisas. O que acontece, então?
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Qualquer pesquisa jornalística demonstrará certamente que depois da Morte, Deus é a maior preocupação do homem. Erma Bombeck concorda que Deus criou o homem mas acha que ela faria melhor. Marlene Dietrich duvidava da existência de Deus mas dizia que caso existisse, era louco. O poeta W.H. Auden achava que estamos na terra para fazer bem aos outros mas declarava não saber porque os outros estavam na terra. Sobre Deus, disse Jack Kerouac: “Não sei, não importa, não faz a menor diferença”. Gerttrud Stein achava que não havia uma resposta, que nunca houve uma resposta e que jamais haverá uma resposta, sendo esta a resposta. Lili Tomlin e Jane Wagner acham que Deus sofre do Mal de Alzheimer e nos esqueceu há muito tempo. Arthur Koestler achava que ele desligara o telefone por tempo indeterminado. Irv Kupnicet perguntava-se que tipo de sociedade é a nossa que diz que Deus está morto e Elvis Presley está vivo. O ator Ralph Richardson, numa festa, fez o seguinte brinde: “Para Jesus Cristo, um belo sujeito”. Elayne Booster comenta: “O Vaticano é contra ventres de aluguel. Ainda bem que esta lei não existia quando Maria ficou grávida”. Finalmente, A. L. Prusick acha que todos nós já vivemos e morremos e estamos no inferno. Quanto a mim, caso ele exista, espero estar com a fatura pronta quando encontrá-lo. Não foi difícil ser um homem digno.
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Uma das coisas que mais me chocaram na minha infância ocorreu quando fui visitar uma tia no hospital católico onde esta estava internada depois de uma operação. Enquanto minha mãe conversava com a irmã, fiquei zanzando pelos corredores e abri a porta de um quarto. Dei de cara com uma freira de joelhos, lambendo a pústula aberta do braço de outra mulher que estava na cama. Só mais tarde descobri que a freira-enfermeira era considerada uma santa. Santa ou não, era vítima da coprolognia. Para quem não sabe, é coisa de porcalhão ou de porcalhona. Tara de gente que se excita com sujeira, feridas abertas, tumores e um bom furúnculo de sobremesa. Às vezes me pergunto se esses puritanos idiotas que vêem uma mulher nua e dizem que é coisa suja, não são em verdade coprolognistas, todos eles. Desde que o mundo é mundo que existem neguinhos com a cuca torta que gostam, de brincar com cocô, xixi, vômito e outras porcarias. E já houve época em que esses tarados e taradas eram consideradas pessoas extremamente piedosas que se comoviam ao ver a miséria, a dor e o sofrimento. Alguns chegaram a ser santificados como Santa Margarida Maria Alacoque, uma freira do século XVII, cuja especialidade era limpar o vômito dos doentes… com a língua. Inocentemente, ela escreveu em seu diário, depois de usar a língua como pano de chão: “Senti um prazer tão indiscritível que desejei fazer a mesma coisa todos os dias”. Os leprosos — dizem as boas línguas — chegavam a fugir quando viam São João da Cruz se aproximar: “Lá vem aquele maluco pedir para lamber as chagas da gente”!
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Embora minha família tenha vindo da Europa em 1824 formando o primeiro núcleo de colonização alemã no Rio Grande do Sul, com o passar do tempo perdeu tudo, dinheiro, terras e títulos de nobreza. Meus pais eram gente rude da colônia e falavam um português arrevesado. Resultado: até hoje digo “Me passa as tomates” ou “Vou tomar uma graspa” ou “Hoje teremos uma eclipse do sol”. Meu pai quando lhe disse que “despois” e “questã” não eram certos, ele respondeu: “Despois fica muito mais completo com o “s” e questã é muito mais elegante que questão. Hoje sei quando estou falando errado. Quando alguém me corrige vou logo dizendo: “Sei que está errado mas não posso trair minha infância.”
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Alguns livros que jamais poderei ler mas que me ajudaram a desmascarar falsos intelectuais que já leram tudo: A Curiosa Experiência da Família Paterson na Ilha de Uffa, de John H. Watson; O Guia do Bom Sono, de Hansard (19 volumes); Mad trist, de Sir Lancelot Canning; Memórias, de Freddie Threepwood; A Guerra Moderna, do General Tom Thumb, Necronomicon, de Abdul Alhazred; Sobre como livrar-se das Horas Canônicas, (40 volumes) de Master Greedyguts e Os Sete Minutos, de J. J. Jadway.
Embora tenha discutido cada uma dessas obras em detalhes com muitos acadêmicos idiotas, jamais poderei lê-las porque jamais foram escritas. O primeiro seria uma aventura de Sherlock Holmes várias vezes mencionada por dr. Watson mas jamais publicada. Os 19 volumes da segunda obra eram apenas lombadas de couro para cobrir inscrições na parede da casa de Charles Dickens e das quais ele não gostava. Mad Trist é um romance apenas mencionado em A Queda da Casa de Usher, de Edgar Alan Poe. Memórias é autobiografia não existente é muito discutida em vários livros de P. G. Woodhouse. Modern Warfare parecia um livro de verdade mas era de madeira e cobria parte da estante de Dickens. Necronomicon é mencionado em vários contos de terror de e canibalismo de H. P. Lovecraft. A sétima obra de quarenta volumes é uma sátira ao rituais canônicos que teria sido encontrada por Pantagruel, personagem de Rabelais, na abadia de São Vitor. Finalmente, o romance Os Sete Minutos de J. J. Jadway seria o romance mais proibido da literatura e tema central do romance Os Sete Minutos de Irwing Wallace.
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— Bispo Macedo, há anos que tenho esta horrível pústula na boca — disse a horrenda mulher ao chefe da Igreja Internacional do Reino de Deus que ao vê-la começou a berrar:
— Quem foi o filhodaputa que deixou essa vaca entrar aqui?
Ninguém o ouviu, pois era hora de recolher as doações dos fiéis e o reverendo, secretário do bispo, aproveitara para comer uma devota na sacristia.
— Já fui a mil médicos — disse a mulher — mas eles dizem que não podem fazer nada. Por favor, me cure.
— Fique longe de mim e responda algumas perguntas.
— Está bem.
— Você tem dinheiro?
— Tenho a pensão do meu marido que era sargento da Marinha.
— Tem bens materiais?
— Tenho uma casa em Jacarepaguá.
— Só?
— E um apartamentinho no Grajaú.
— Passe tudo para a Igreja e assim que tiver feito isso estará curada.
— Mas por que ficarei curada?
— Porque ao dar tudo para a Igreja, estará dando para Deus e Deus tirará essa pereba horrenda da sua boca. Quanto mais você der mais receberá. Olhe para mim, dei tudo para a Igreja e hoje sou um dos homens mais ricos e poderosos do Brasil. Eu tinha uma pereba quase tão fedorenta quanto a senhora. Mas não esconda nenhum tostão, pois Deus tudo vê e me informa.
A mulher foi para casa e passou tudo o que tinha para a Igreja. Durante meses andou andrajosa pelas ruas, suja, fedorenta e levemente cagada. As crianças atiravam pedras nela e os cachorros a perseguiam. Mas em compensação, a pústula aumentava dia a dia e chegou o dia em que ele era apenas um furúnculo enorme com um buraco pelo qual comia restos de sanduíches Mc’Donalds. Foi contratada por um circo e passou a ser conhecida como Pereba Humana. Logo, descobriu que podia fazer milagres: curava paralíticos, cegos, mudos, surdos, cancerosos e aidéticos. Ficou bilionária e foi agradecer ao bispo Macedo. Saiu da limusine com vários guarda-costas e propôs ao bispo comprar sua Igreja.
— Minha querida Pereba Humana, você é a prova viva de que a Igreja Universal faz milagres. Proponho sociedade.
— Só se o bispo chupar minha buceta todos os dias.
— E como é que eu vou achá-la no meio de tantas pústulas, furúnculos, sarnas, cobreros e espinhas.
— Aí é que está a graça.
O bispo topou.
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Há quem diga — e não há porque duvidar — que a astrologia já foi uma ciência exata que perdeu um elo em determinado momento do trotar da humanidade. Humanidade, já tive uma égua com esse nome. A verdade é que os antigos assírios, persas, egípcios romanos, não davam um salto na esquina sem consultar os astros.
Minha experiência pessoal com a astrologia se passou em Roma quando, a pedido de uma dessas revistas brasileiras de se ler no barbeiro, fui fazer uma entrevista com Francesco Waldner, considerado o papa dos astrólogos europeus. Mas fui como cliente. O Waldner, jogando uma quantidade enorme de água para fora de uma luxuosa bacia de prata, indagava, ao mesmo tempo em que apertava a minha mão: “Você, tão bem falante, com a linha da vida tão acentuada só pode ser…” Deu uma paradinha. Eu aproveitei a deixa e mandei: “Gêmeos” E ele: “É isso mesmo, só pode ser Gêmeos”. E eu, pegando as minhas vinte mil liras que estavam sobre uma mesinha muito fresca: “Mas acontece que eu sou Câncer, ragazzo!”
Há, porém, quem acredite. Pra mim, tudo dá na mesma: macumba, psicanálise, confissão, astrologia, quem faz justiça é quem está com o revólver na mão, principalmente se for juiz, militar, latifundiário ou amigo do rei. Acontece que tem gente que acredita que a astrologia nos condiciona sexualmente. Por exemplo, mulheres nascidas sob o signo de Libra: podem ir fundo que, no mínimo, são ninfômanas. Pensem duas vezes quando se chocarem com as representantes do escorpião e do Touro. Além de frias, vivem dizendo “mas não podemos ser apenas bons amigos?” As mulheres leões, ou seja, as leoas, seriam fidelíssimas. Eu, por exemplo, não concordo: tive uma mulher leoa que me presenteou com um par de cornos de fazer inveja a qualquer miura. Já, as mulheres de Câncer, não esperam nem o marido dobrar a esquina para abrirem a porta e tudo o mais para o vizinho do 403. Capricórnio, não tem perdão: homem, mulher, animal, tudo homossexual. Os homens Escorpião seriam grandes comedores metafóricos. Os sagitarianos se masturbam pensando na mãe. Os virginianos — ainda não foram descobertas as razões — adoram mijar nas pernas de senhoras idosas.
Mas deixem eu elevar um pouco o nível do nosso papo: já há alguns anos que a Academia Eslovaca de Ciências estuda o controle de natalidade através da astrologia. O dr. Eugen Jonas, diretor do Departamento de Psiquiatria da Clinica Nagisurana, notou que a maioria das suas pacientes demonstrava incrível disposição sexual independentemente dos seus ciclos menstruais. Depois de inúmeros testes, concluiu que esses ciclos de tesão extra se relacionavam com a atividade planetária. É dose! Descobrir que um planetão como Júpiter, muitas vezes maior do que a Terra, só serve para dar tesão às nossas mulheres! E disse mais: “As mulheres têm maiores possibilidades de conceber durante a mesma fase da lua que as viu nascer”. Mas vamos adiante. Outro troço que o bom dr. Eugen disse ter descoberto: o sexo de uma criança depende da lua estar num campo eclíptico positivo ou negativo. Garante que pode informar com 90% de precisão qual será o sexo da criança e quando os pais devem fuder se quiserem ter filhos homens ou mulheres. Eu não acredito, mas as experiências de Eugen Jonas estão sendo repetidas na Universidade de Stanford, bem mais respeitável que a de Nova Iguaçu, podeis crer.
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Duas coisas boas que aconteceram na minha vida: comecei a trabalhar com sete anos, aos quatorze era jornalista, aumentava a idade e, conseqüentemente, não tive tempo para ser adolescente. Isso fez de mim uma mistura de Dom Quixote e Peter Pan. Sou adolescente até hoje. Essa foi a primeira coisa boa, pois em vez de pegar uma dose maciça de adolescência que pode matar ou enlouquecer recebi (e continuo recebendo) doses leves de homeopáticas vacinas de longo efeito e não vírus rápidos e mortais como a varíola; pequenos dramas e nenhuma grande tragédia. A segunda coisa boa foi nunca ter freqüentado uma Universidade. Autodidata, sem a proteção de um diploma, tive de ler e estudar muito o tempo todo para não vencer na vida.
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O menino Gervásio de Paula vivia no Ceará com seus pais e seu avô. A avó já tinha morrido. O velho havia criado mais de doze filhos e a casa senhorial ficara para o mais moço que cuidaria do pai. O casal também teve muitos filhos e finalmente, ficaram na mansão, apenas Gervásio de cinco anos, os pais e o avô, seu Pitanga de quase noventa. Nem o filho e nem a nora tinham muita paciência com o velho mas Gervásio, o menino, era muito agarrado com ele que lhe contava histórias do século XIX. O avô comia na mesa com o neto, o filho e a nora mas, devido à idade, deixava comida rolar pela boca, derrubava sopa na toalha, babava-se e volta e meia quebrava um copo. Assim passou-se um mês e o filho do velho Pitanga mandou comprar uma mesinha, um babador, uma cadeira para o pai que passou a comer num canto da cozinha. Ainda assim seus ruídos os perturbavam para não falar dos pratos de porcelana da Índia que o ancião vivia quebrando. Um dia, o filho aparece em casa com uma tigela de madeira e dá para o pai que passou a comer desse modo. A tigela podia fazer barulho ao cair mas não quebrava.
Um dia o pai encontrou o menino Gervásio, muito habilidoso, num canto da varanda, trabalhando um pedaço de madeira com seu canivete.
— O que estás fazendo, meu filho?
Uma tigela de madeira para quando você envelhecer.