Por Délis Ferreira e Jorge Thieful
A revista Et cetera, publicada pela Travessa dos Editores, de Curitiba, confirma, nesse número 1, algumas propostas apresentadas na edição anterior. As páginas dessa publicação novamente abrem espaço para a produção literária em seus mais diversos modos de expressão, em sintonia principalmente com a produção latino-americana; sem, contudo, inibir o diálogo com outros continentes. Um dos destaques é o caderno especial que apresenta a produção de um dos mais relevantes poetas contemporâneos do Japão, Tanikawa Shuntaro, traduzida por Chika Takeda. Um dos aspectos mais consideráveis — e visíveis — da Et cetera é veicular a manifestação poética em seus vários matizes: do uruguaio Eduardo Milán ao carioca Rodrigo Souza Leão, do cubano José Kozer ao mineiro Carlos Ávila, registrando também as vozes de Alberto da Costa e Silva (Presidente da ABL), de sete poetas da Patagônia e de Rosa Falcão (1931-1958) — poeta portuguesa, radicada no Brasil, autora Da série das histórias bordadas sobre a seda.
Mas nem só de versos vive a Et cetera. A publicação também se alimenta da prosa. Seu primeiro destaque nesse contexto é um fragmento do clássico texto de Rabelais, Pantagruel (capítulo 17). Mas não morre aí. Minha mãe se veste para morrer, conto inédito de Jamil Snege, dá uma injeção de vida na prosa brasileira. Novos autores, alguns fãs confessos do Turco, figuram nesta edição por meio do experimentalismo (Evandro Affonso Ferreira), da imagética (Joca Reiners Terron), da irreverência (Paulo Sandrini) ou da tradição da prosa dialogada (João Anzanello Carrascoza).
A proposta de pluralidade da revista vem traduzida nas entrevistas com os mais díspares nomes. Do transpoeta concretista Haroldo de Campos — “A idéia de invenção continua sempre vigente, mas em dialética permanente com a tradição” —; passando pela poeta e psicanalista Maria Rita Kehl — “Escreve para reescrever-ser, para tentar tornar-se autor de si mesmo, e não personagem da novela escrita por seus pais, como na infância” —, pela pós-beatnik Clarah Averbuck — “Eu não penso muito para escrever. Vem direto do estômago” —; e pelo iconoclasta Paulo Polzonoff Jr., colaborador deste Rascunho. Nessa sua primeira entrevista, após estilhaçar muitas janelas por aí e se ver caçado pelas panelas literárias, Polzonoff lança suas pérolas fora ou dentro da lama e a bem da verdade não poupa nem a si mesmo.
Com a intenção de sempre discutir algum tema polêmico, novamente a Et cetera convocou as mais diversas opiniões para tratar, agora, da Inveja. Ivana Arruda Leite, Ronaldo Bressane, André Sant’Anna, Marcelino Freire, Israel Reinstein, MD Magno e Valério Oliveira são alguns dos nomes que, muitas vezes assumindo a inevitável condição de invejosos, dissecaram esse pecado capital inerente a todos nós, sem redenção.
Outros destaques são os ensaios fotográficos, individuais, de Michele Muller e Nego Miranda; a análise da temática social do cinema contemporâneo brasileiro a partir da tríplice Cidade de Deus/Carandiru/O invasor, por Paulo Camargo; o estudo da produção poética de Régis Bonvicino, por Aurora Bernardini; a contribuição poético-visual do cartunista Solda; e, sobretudo, a sempre esperada tradução de poemas — até então inéditos na língua portuguesa — do outsider Charles Bukowski, pelas mãos cuidadosas de Fernando Koproski.
Reforçando o caráter artístico da produção, é indispensável destacar a direção de arte assinada pela poeta e designer Jussara Salazar. Apesar do tratamento gráfico individualizado dispensado à página de cada artista, o resultado final apresenta uma linguagem homogênea. Linguagem essa caracterizada pela sutileza no uso das imagens casadas com os textos.
Et cetera, com suas duzentas e tantas páginas, dá sinal de fôlego e vida longa na divulgação dos mais variados produtores culturais, sejam consagrados ou revelações. Enfim, uma revista única justamente por sua pluralidade.