Os três afluentes do rio do silêncio
Um
No cristal sem clivagem
do silêncio,
o estilhaço assimétrico
do canto
dói.
Dói como um cilício
pungente na epiderme
da alma. Dói.
(Por que é que dói?)
Dois
Qual a essência da vida?
Perpétua caminhada
num beco sem saída.
Ao fim de tudo,
o nada.
Mas quem dirá ao certo
se Deus nos aguarda,
como o pai que, desperto,
dentro da noite anseia
o filho que já tarda?
Três
Nas molduras
dos quadros da parede,
a presença dos olhos
dos ausentes.
No vidro da janela,
incauta mosca brinca.
Bolor ou musgo inominável,
o silêncio alastra-se,
melancolicamente,
sobre os móveis de imbuia
e solidão e olvido.
O pó de outrora,
pátina febril
na textura translúcida
do tempo.
(Uma dor. Oculta, subterrânea.
Ah, talvez a alma
também sinta cãibras.)