No meu caso também começou na praia: eu devia ter uns nove ou dez anos , estávamos jantando quando minha mãe falou dos novos vizinhos.
Durante a semana ficávamos só nós dois. Não tenho irmãos. A mãe gostava de jogar canastra, eu a ajudava com pequenas tarefas. Abria as venezianas, botava o lixo para fora, ajeitava a cama de manhã. Às quartas tínhamos uma faxineira, uma senhora cujo marido fazia serviços de capinagem.
Meu pai era funcionário público, trabalhou a vida inteira na secretaria da fazenda. Era um leitor de jornal, desses que por pouco não escreve cartas indignadas sobre a vida parlamentar, promessas durante a campanha, benesses para parentes e amigos. Ele vivia reclamando dos vencimentos do funcionalismo, a lei quatro mil e trinta e nove prevê um reajuste retroativo de sete vírgula oitenta e três por cento, mas este governo não quer nem fazer as contas. Este governo só se preocupa com os ricos: ele saía do trabalho na sexta, pelas cinco ainda se fugia do congestionamento na estrada, e chegava à praia na hora certa. Comíamos pão e sardinha, gosto do óleo salgado no fundo da lata, e naquela noite não foi muito diferente: a mãe contou que os vizinhos se mudariam logo, a casa fora recém construída. A casa ainda tinha o aspecto de obra: eram o casal, uma filha e um cachorro.
O bicho era bastante manso, e a filha descrevia a rotina dele: comer ração, tomar água e mexer nas plantas, o que o deixava com as patas cheias de pega-pega. Essa vizinha vinha lá em casa à tarde, eu nunca brincara com uma menina antes, então só o que me ocorria era lhe mostrar os gibis. Ela já devia estar na fase de gostar de outras coisas e sempre perguntava, você já viu revista de mulher pelada? Eu havia visto, um colega mostrara uma daquelas de formato pequeno, com oito páginas sem nenhuma letra, apenas fotos de senhoras nórdicas, uma delas com creme de barbear nos pêlos, e a vizinha disse, vou trazer um presente para você. O pai dela tinha uma revista escondida, ela a achou em baixo de uma pilha de roupas. Havia um pôster de página dupla, uma mulher de salto alto e casaco de pele: você gosta? Minha vizinha nem deixou eu responder: já viu uma dessas ao vivo?
Todos os garotos andavam de bicicleta e tinham as unhas pretas de terra. Eu, não: nós estávamos na garagem, havia pilhas e pilhas de caixas, peguei uma delas, era de papelão, havia uns potes de conserva e jornais velhos dentro. Esvaziei o conteúdo e pedi que a vizinha entrasse: isto é um navio. Apanhem seus tíquetes. As senhoras têm preferência. A tripulação já está a postos. Ela vestia uma camisa, uma bermuda, a mesma de algumas horas antes, quando ela me deu a revista e perguntou, você não quer ver uma mulher pelada? Minha vizinha disse, você nunca viu mulher pelada ao vivo, já está na idade para isso, uma mulher como a da revista, com as coxas como as da revista, com a boca e o esmalte vermelho como o da revista, e acho que foi disso que lembrei: ela já estava dentro da caixa, os joelhos apertando o próprio peito, e eu lembrei disso antes de anunciar, atenção todos os passageiros. Chegou um alerta do serviço meteorológico. Uma tempestade está a caminho, eu disse, e foi neste momento que liguei a torneira: havia uma torneira na minha garagem, enchi um balde até a borda e joguei inteiro sobre a vizinha. Lembro de tê-la ouvido gritando, ela não parava mais de gritar. A essa altura eu já estava correndo. O mais rápido que corri até hoje.