O humor da honestidade

Millôr Fernandes espalha seu humor ferino contra o mundo. Nem Machado de Assis escapa
Millôr: “Nunca me preocupei em escrever uma obra-prima” Foto: Cora Rónai
01/04/2004

Sete horas da manhã de um domingo. Eu — um amante dos sonos longos dos finais de semana — estou acordando. Mas não para ir à missa. Tomo um banho, preparo gravador e imprimo a pauta que me orientará durante a entrevista com ninguém menos do que Millôr Fernandes. Avesso a jornalistas (sabiamente), Millôr não gosta de dar entrevistas, a não ser por e-mail. Negociamos e eu faço o trabalho de um chato: insisto. Ele cede e, quando percebo, tenho uma entrevista marcada com Millôr Fernandes para domingo de manhãzinha.

Claro que há um porém nisso. Millôr se levanta todos os dias pontualmente às seis da manhã. Aos domingos, anda pela orla de Ipanema com seu inseparável companheiro de peripatetices Gravatá. Millôr ainda não sabe, mas ele, com o cérebro em pleno funcionamento àquela hora, me encontrará entre muitos bocejos. Deu para perceber o tamanho do abismo intelectual? Ó vergonha!

Mas eu tenho um gravador na mão e uma pauta na outra.

Sentado, esperando que Millôr Fernandes surja a qualquer momento da praia, bebo um café e me lembro de uma manhã de domingo de 1996. O cenário é Curitiba, claro. Em mais uma daquelas muitas tentativas de tornar a cidade uma referência cultural, organizou-se uma feira literária no Parque Barigüi. Algo que era chamado, na época, de Bienal. Eu era mais ingênuo do que hoje (o que não quer dizer que eu tenha deixado de ser ingênuo). No domingo pela manhã de um mês qualquer de 1996, peguei um ônibus de rota semidesconhecida e, depois de muitas voltas, acabei no parque. Precisa dizer que fazia um frio do cão?

É que a organização havia anunciado para aquela manhã a presença de Millôr Fernandes. Ele daria uma palestra, acho. Com A bíblia do caos numa mão, muitos casacos a me protegerem do frio e uma dose extra de paciência, esperei Millôr sentado num meio-fio, tentado tirar do sol tímido qualquer nesga de calor.

Mas Millôr não veio, Millôr não foi.

A história Triste & Edificante que vocês acabaram de ler não tem outro propósito que não o de dizer: estive, há quase uma década, atrás de Millôr. E em breve o teria na minha frente. Ali sentado, esperando por ele, senti um frio na espinha porque percebi que eu nada mais sou do que o menino sentado no Parque Barigüi à espera de uma iluminação intelectual ou coisa que o valha.

A ligação com a infância me acalma. Sou um menino querendo aprender — sempre. Só por um acaso o aprendizado será gravado e transformado em entrevista que os poetinhas uspianos e os romancistas revoltadinhos discutirão com baba escorrendo da boca. Porque são incapazes de ouvir.

Eis que surge Millôr, aos 79 anos, em bermudas, camiseta e tênis. Vem com um sorriso grande, mas não vulgar. Acompanhado pelo amigo Gravatá, Millôr me cumprimenta com uns olhos pequeninos, dos menores que já vi. “Então é você?”, pergunta. E eu tenho dúvidas se sou eu mesmo.

(Ainda que soe meio “sensível demais” falar dos olhos do entrevistado, falo. Pior: por mais que seja lugar-comum falar das “janelas da alma”, falo. Reclamações para a redação, com um cheque de R$ 1 mil anexado, por favor.)

Millôr é um entrevistado transparente. Poderia facilmente dizer que é a idade que lhe confere o despudor da honestidade, mas não. É o humor, algo que ele cultiva profissionalmente desde os 14 anos, que o faz assim, límpido. Eu tenho uma boa teoria para isso, algo a ver com o mar, mas acho que vocês não estão muito interessados, não é mesmo? De qualquer forma, digo apenas que se São Paulo tivesse mar, oceano, ondas e barquinhos os poetas ririam mais. Capisce?

Um pouco antes de começar a entrevista, enquanto conversamos sobre um assunto qualquer (eu, pateticamente, introduzo na mesa o assunto “temperatura do café”, pode?), sou tomado por uma dúvida: afinal de contas, por que é que estou entrevistando Millôr para um caderno literário? Ele nunca escreveu um romance, você pode objetar; tampouco pode ser considerado um poeta, no sentido mais babaca do termo; traduziu Shakespeare e Shaw e escreveu algumas peças, todas por encomenda; mas, afinal de contas, o que é a “obra” de Millôr?

Eu não chego a conclusão alguma. Não quero nem tenho capacidade para teorizar. Apenas leio A bíblia do caos e suas Conpozissõis imfãtis, os livros preferidos. E abro a boca num sonoro bocejo para os intelectuais que adoram cercar a boa literatura com definições aqui e ali. A obra de Millôr Fernandes é o que temos de mais livre na literatura brasileira, porque transita por várias estéticas sem se comprometer ideologicamente com nenhuma delas. A mim isso basta. A você não?

Algo a se admirar no intelectual (sic, isso pode soar como insulto, mas não é esta a intenção) Millôr Fernandes é a despreocupação, ao menos aparente (não quero parecer mais ingênuo do que realmente sou) com que construiu sua carreira. Na resposta a uma pergunta que não virou entrevista, ele é taxativo: “Nunca me preocupei em escrever uma obra-prima”. O sentido do trabalho de qualidade que tem méritos por si só é algo que norteia toda a produção (“produção” é melhor do que “obra”, né?) de Millôr Fernandes. A obra-prima, a frase perfeita, o trecho inesquecível e o aforismo que virou lugar-comum é algo que se produz sem o fantasma da imortalidade para atrapalhar. É conseqüência.

Millôr Fernandes é um remanescente, por assim dizer, de uma geração de ouro da literatura brasileira. Da literatura brasileira, vá lá. Na revista O Cruzeiro, ganhou fama ainda garoto. Aprendeu algo que hoje é muito caro tanto por quem se aventura pela literatura como quem faz jornalismo: “Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos & molhados”. A frase é síntese de nossas virtudes potenciais em contraste com nossos defeitos reais. Norteado por esta idéia, é natural que tenha se tornado um iconoclasta. Para Millôr não existe figura respeitável, exceto, talvez, pelos amigos. Figuras de todos os naipes, do presidente ao operário, todos são dignos do humor ferino e da piada cortante.

Mas isso era num tempo em que humor havia. (Que catastrofista eu sou!)

A iconoclastia faz de Millôr, muitas vezes, uma personalidade temida. Que o diga José Sarney, “vítima” da pena cáustica em Crítica da razão impura ou O primado da ignorância, livro no qual Millôr analisa frase a frase um dos romances do ex-presidente. Mas, afinal, quem neste mundo não é ridículo a ponto de ser personagem de uma piada? Eu mesmo sou ridículo e me mato de rir aqui enquanto escrevo este texto, por não conseguir esconder a admiração que sinto por Millôr Fernandes. Paulo, será que você consegue ser um pouco menos benevolente, menos indulgente, menos… puxa-saco?

Sou tudo, menos tiete. Não me xinguem de tiete!

Sobre iconoclastia, ainda. “Ah, mas é preciso ter respeito pelos grandes gênios!”, grita adversativamente ao fundo um senhor de barbicha já grisalha, com um livro de Kant embaixo do braço. A rebeldia incansável de Millôr nos diz que não. Que não há mito que resista à observação pessoal do leitor; e tampouco existe ser intocável para o humor mais inteligente. O senhor de barbicha que me desculpe.

Na entrevista que se segue, Millôr ri de Machado de Assis, num deboche que deve arrepiar os pêlos do braço dos puristas; fala sobre as teses que foram escritas sobre sua “produção”; comenta a candidatura perene à cadeira 38 da Academia Brasileira de Letras; comenta os engajamentos políticos e estéticos de que são vítimas milhares de almas puras pelas universidades por aí; e, por fim, fala sobre o seu novo livro, que será lançado em abril pela editora Record. Com vocês, ele:

• Por que o senhor anda tão recluso?
Você quer que eu responda monossilabicamente ou que eu seja prolixo?

• Pode ser prolixo. Eu tenho 36 páginas para usar.
Eu imagino sempre o ódio do próprio jornalista que fez a gravação, quando fica ouvindo a gravação. Tem que ouvir dez vezes. Na terceira vez, já pensa: “Por que é que eu fui me meter nisso?”…

• Realmente é muito chato, mas eu ganho bem para isso. Mas, voltando, eu soube que o senhor não está dando mais entrevistas, não gosta de fotógrafos…
Eu não dou, detesto mesmo. Mas acontece que a vida da gente… Por que é que estou aqui? Como é que você vai fazer? Cada circunstância é uma circunstância. Como diz o outro, uma coisa é uma coisa e outra coisa… você sabe. Então, como qualquer mulher difícil, você acaba dando. A não ser que a pessoa seja muito grosseira, não dá para evitar. Porque de repente chega assim um amigo meu, da minha geração, pedindo: “ah, porque é a minha filha, ela tá fazendo vestibular”. Eu dou. Agora mesmo, esta semana, o pessoal da editora Record telefonou para mim pedindo uma entrevista para divulgação. Eu já não vou a lugares como feiras, Bienal, nem nada. De repente você vai dizer que não quer dar a entrevista — está perturbando o negócio deles. A “divulgação”. Por mim não me importo com vendas. Se vender aqueles 10 mil iniciais que vende, está ótimo. Se vender 100 mil, tanto melhor. Mas não corro atrás.

• Um mito que corre por aí é que a tietagem o incomoda. Isso é verdade?
Não incomoda porque eu não estou no meio da tietagem. O fato de viver em Ipanema, é evidente, faz com que muita gente me conheça por aí. Mas ninguém chega perto. Bem, tem uma coisa que se chama notoriedade, que é respeitável, e outra que se chama popularidade, coisa extremamente vulgar e que permite ao sujeito enfiar o dedo na tua barriga e dizer: “Pô, cara, gosto muito das tuas peruadas!”. A maior tietagem, inevitável, é através da internet, montão de e-mails, que chamo de e-meus. As pessoas me escrevem. Só tem elogio. Quando o cara sai do elogio para a crítica, raramente tem uma crítica correta. Em geral é coisa grosseira, invejosa. Não respondo, claro. Deleto.

• A impressão que eu tenho é de que o senhor se tornou uma unanimidade. Isso é bom ou ruim? Não se escuta ninguém falar mal do Millôr Fernandes…
(risos) Não falam mal porque têm medo.

• O senhor é um iconoclasta. Não há nenhum mito que não tenha sido vítima de uma piada ou de um comentário sarcástico…
E não tem? Acho que a maioria das pessoas não agride porque não entende.

• Ahn?
A maior parte das pessoas não me entende. A minha vida inteira eu ouvi isso: “Eu gosto muito do que você escreve, mas eu não entendo”. E acontece que se você pegar um texto meu de vinte linhas, não importa que não entenda, porque no meio sempre vai pegar três ou quatro coisas que vai entender, e são substanciais.

• Mas eu queria saber como é que é isso, porque agora o senhor é um ícone. Não está na hora de alguém quebrar o ícone Millôr?
(silêncio)

• O senhor percebeu que eu estou preparando o terreno, né?
Se eu posso desrespeitar a presença feminina na mesa, eu quero que esse alguém se foda.

• Ainda falando sobre ícones, eu queria que o senhor se estendesse sobre aquela história do Machado de Assis. Você anda achando o Machado de Assis, cada vez que você o lê, assim-assim…
Um babaca. Eu publiquei em alguns jornais aí aquele negócio sobre Dom Casmurro. Sempre me chateou aquela discussão viada-literária se a Capitu deu ou não deu por Escobar. Que bobagem. Tá na cara que deu. O próprio Casmurro diz que o filho tem a cara do Escobar. Mas isso não interessa. O fato é que não só a Capitu deu pro Escobar como o Bentinho também. Aquilo eu não inventei. Apenas percebi no livro Dom Casmurro, e selecionei umas vinte frases de tiradas do livro. O Bentinho é uma bicha. Uma bicha mesmo, não tenho dúvida nenhuma. Até onde enrustida eu não sei. E aí eu me pergunto — uma coisa que eu não teria atrevimento de afirmar, até porque teria de ser um estudo biográfico muito profundo — se o Machado também… não é? Por que não fazem um estudo? Que diabo, o pansexualismo de Freud já tem quase cem anos. Que experiência sexual Machado tinha? Nenhuma! Mas eu nunca ouvi falar nisso, porque as pessoas escrevem com extrema indulgência. Brasileiro não sabe escrever biografia. Biografia é coisa de anglo-saxão.

• E a Carolina era bonitona…
Acho que não era, não. Onde é que você viu isso? Tem foto dela, a não ser aquela, de bigodes?

• Numa edição que eu tenho.
Repito: era portuguesa de bigode. Machado casou com ela. Ali estava uma branca, a possibilidade de ascender. Ele era um cara complexado, todo mundo sabe. Por causa da estatura, doença, essa coisa toda. Tinha como centro existencial a vontade de ascender. Ele estava com 30 anos e casou com aquela portuguesa de 34, o que era uma diferença brutal na época. Ela também, com problemas de sobrevivência, achou prudente o casamento. E nem tiveram filho. Tan-tan-tan-tan.

• O senhor sabe que há teóricos levando a sério isso? Recentemente eu vi um livro de um psicanalista — e psicanalista acha que todo mundo é viado — dizendo por a + b que o Bentinho é gay.
Você vê? Do Bentinho eu não tenho a menor dúvida! Eu estou falando sobre o Machado. Mas se você botar aí que eu disse que o Machado é boiola eu digo que isso é uma mentira, que eu nunca disse isso, que você é que é! Bem, repito, precisa um estudo profundo, no mais amplo sentido.

• O senhor já virou tema de tese?
(pausa) Cada uma mais idiota do que a outra.

• (O jornalista Gravatá, que acompanha a entrevista, interrompe): Mas teve a francesa.
A francesa é outra coisa.


Bem, falando de tesões. Teve uma senhora aí, de São Paulo, que me procurou várias vezes, veio aqui, me estudar. Deixei ela me estudar até onde podia. No meio dei um artigo para ela, que se chama Minha temporada no PCB. O artigo fala da minha temporada no PCB, como o PCB era interessante, a gente era uma turma muito unida, tinha branco, tinha preto, tinha operário, tinha rico; e a gente às vezes brigava, porque todo mundo esperava muito de tudo… E eu termino o artigo assim: “Formidável esse período que eu passei no Palácio Clube Bilhares”. Pois bem. Ela publicou como se aquilo fosse mesmo uma temporada no PCB, partido comunista brasileiro. Numa tese de doutorado. Verdade! Eu dei o artigo e ela não percebeu! Mas houve a tese francesa. A tese e a francesa são outra coisa. Não é porque é francesa, que eu não sou colonizado. É porque tem alta qualidade. Conto. Um dia bateu na minha casa uma senhora de Niterói, que vive na França, em Tolouse. Amiga da professora Françoise Duprat. Uma velhinha de uns 40 anos. A amiga trouxe a tese, em dois volumes enormes, 700 páginas. A tese era sobre o ano de 1982, sobre meus artigos publicados na revista Veja nesse ano. No segundo volume, ela traduziu todos os artigos, todos os trocadilhos e nos balões ela imitou a minha letra. Um trabalho inacreditável. É um estudo do qual você pode discordar completamente, mas é um estudo de uma pessoa que está levando o negócio a sério. Ela perdeu quatro anos fazendo a tese. Depois, durante três ou quatro anos trocamos uma longa correspondência. Nunca te vi sempre te amei.

• O senhor acha que falta humor ao acadêmico brasileiro?
O humor seria o máximo, o fim do caminho. Falta o mínimo de inteligência. Não há coisa mais burra do que a meia-cultura, da pessoa que lê meia dúzia de livros, sabe meia dúzia de coisas, passou pela escola e fez um cursinho superior, até um doutorado. A pessoa já vem com a tese feita, pré-fabricada. Não tem um pensamento… Se você contesta dialeticamente o que a pessoa diz, a pessoa se perde. Pode botar como símbolo do acadêmico brasileiro o doutor Fernando Henrique, o PhD barroco.

• Numa entrevista para a revista Época, o senhor disse que é candidato permanente à cadeira 38 da Academia Brasileira de Letras…
Sou. Sou e isso me preocupa muito, porque se o Sarney morre [a cadeira 38 é ocupada pelo ex-presidente], daqui a pouco eles vêm para cima de mim e o que é que eu vou fazer?

• Mas, falando sério, ontem eu estava conversando com uma amiga, dizendo que o entrevistaria, e ela me disse que ouviu de fonte segura que o senhor é candidato à ABL.
Quem que disse?! Quem é essa sua amiga?!

• Pois é. Eu achei muito estranho também.
Imagina, ABL! Eu não acredito nem na glória do Prêmio Nobel. Que eu gostaria muito de receber, porque, daí, é um milhão de dólares — mas quando o dinheiro chegasse, eu pegaria o dinheiro e recusaria a honra.

• O senhor não ganhou aquele Prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra? Todo mundo ganha aquilo.
E eu lá tenho conjunto de obra?

• Na sua opinião, por que uma geração de pessoas que sempre contestou esta coisa tradicional da ABL agora faz força para entrar, como o Fernando Morais, comunista e tal?
Olha lá. Você acabou de usar “comunista” como se fosse um título de honra, uma prova de integridade intelectual, de competência, de santidade moral e tudo o mais. Inventou-se esta coisa de que a esquerda é nobre, até intocável. Ora, qual é a diferença entre a violência da esquerda da União Soviética e a violência da direita na Argentina? Qual é a diferença entre a burrice do nazismo e a estupidez do comunismo?

• Pergunto isso porque são pessoas que fizeram a fama como rebeldes, contestadores. E agora…
Se você me der cem nomes destes chamados impolutos, eu rejeito 101.

• O senhor é de uma época em que todos tinham de se engajar em alguma coisa. Mas a impressão é de que o senhor não se engajou em nada.
No frescobol. Um esporte admirável onde ainda não apareceu o idiota para marcar ponto. Ninguém vence. O barão de Coubertin disse a famosa frase “O importante não é vencer, é competir”. Como toda frase moralista, está errada. O importante é nem competir. O frescobol.

… 
Veja bem. O revolucionário, ele está afim do poder. O herói é uma contradição. Desconfio fundamentalmente do garoto de dezoito anos que põe um revólver na cintura e vai salvar o mundo. O herói, quando toma o poder, vira ditatorial. Já vem com todas as certezas. Se não toma o poder, não tem profissão, vira empregadinho ou empregadão — da burocracia estatal dos vencedores. Como aqui, no Brasil. Como em toda parte.

• E engajamento estético?
Eu tenho um engajamento absoluto: hay uma teoria estética, soy contra. No hay, tambien soy.

• O senhor se interessa pela nova literatura, estes autores novos, estas coisas?
Não. Eu li uns dois para nunca mais. Você está falando de Ramon Grillet ou o quê?

• O senhor escreveu agora um microconto para aquela antologia…
Pois é. O rapaz esteve aqui, como é o nome dele?

• Marcelino Freire.
É, Marcelino Freire. Ele me pediu e a proposta era escrever 50 toques. Gostei, escrevi, deu 49, botei mais uma letra, deu 50. Meu conto, 50 letras, tem de tudo: sexo, luta pelo poder, terrorismo…

• Uma coisa que eu acho interessante no seu trabalho é que o senhor não fica chorando as pitangas do regime militar. Até outro dia houve um cara que disse que 64 é o nosso holocausto. Eu queria que o senhor me falasse sobre isso…
Eu sou uma pessoa simplista, que acha tudo isso uma viadagem (risos). É tudo viado, tudo herói. Ah, não tem nada de herói, não. Quer dizer, tem uns que são, raros. Mas para ser herói tem que pagar um preço: perder um braço ou perder o pau, qualquer uma destas partes razoavelmente importantes do corpo humano.

• Queria que o senhor falasse sobre o livro que vai ser lançado agora pela Record. São perfis?
Não são perfis, não. São apresentações que escrevi para amigos que me pediram. A apresentação é um elogio, mas eu leio todo o autor, às vezes um livro de setecentas páginas, para falar sobre ele. E escrevo uma coisa elogiosa, mas verdadeira, para a pessoa que eu conheço. Aí eu me perguntei: “por que não publicar isso?” O livro só fala de pessoas conhecidas. Ivan Lessa, Fernanda Montenegro, Paulo Francis, Veríssimo, e por aí vai…

• O senhor diz que só trabalha por encomenda. Ninguém nunca encomendou um romance?
O tempo todo, mas eu acho uma idiotice. Outro dia eu estava passeando na praia com um embaixador e ele me disse que estava lendo meu livro O livro vermelho dos pensamentos de Millôr e disse: “Genial o teu livro! Você precisa escrever um romance”. Pô, o cara diz que eu sou genial e que eu preciso escrever um romance, portanto exige que eu seja mais do que genial.

Paulo Polzonoff Jr.
Rascunho