Waly Salomão foi compositor popular, intelectual marginal, poeta concreto, prosador experimental, agitador cultural, produtor de discos, diretor artístico, escritor, ator, narrador, editor apaixonado, inventor de palavras. Alvissareiro por excelência, novidadeiro, o poeta falava alto e claro. Postado na vanguarda, ora lírico, ora polêmico, ora irreverente, sempre provocante, brindava-nos com seus versos vigorosos e nos excitava com suas idéias originais e surpreendentes a respeito da arte, da vida e da morte, da mulher, da sexualidade tropical, da Bahia, do eixo Rio-Sampa, de um Brasil mais consciente e mais alegre.
Sempre à vontade, natural e desenvolto, com voz forte e engraçada — às vezes falando sem parar — Waly modulava o tom de sua palavra poética, veiculada nos últimos (quase) 40 anos em diferentes meios e formas de expressão brasileiros: do circo à cibernética, dos coretos aos livros e aos discos, passando por shows, performances, folhetins, sketchs e babilaques.
Waly Salomão nasceu em 3 de setembro de 1943, filho de pai sírio e mãe baiana sertaneja. Desde o berço em Jequié, na Bahia, às praias e morros do Rio de Janeiro, desenhando o seu universo criativo, Waly traçou o andar de sua liberdade, violada pelo menos duas vezes, nos anos 70, por motivações política e penal — foi flagrado com uma “bagana”, em São Paulo.
No Carandiru, Salomão escreveu o livro experimental, Me segura qu’eu vou dar um troço, importante marco da contracultura, publicado em 1972, e recentemente relançado pela Aeroplano Editora. Trazendo alguns textos inéditos, a obra enfeixa crônicas e reflexões filosóficas, políticas e sobre poesia.
Outros dois trabalhos mantêm acesa a chama do pensamento e da sensibilidade de Waly: o primeiro aborda biografia do amigo artista plástico Hélio Oiticica, Qual é o Parangolé? e outros escritos; o segundo, Pescados vivos, traz textos e poemas inéditos.
A partir da instalação Tropicália, de Hélio Oiticica, Waly estabeleceu fortes laços artísticos e de amizade com Caetano Veloso, Maria Betânia, Gilberto Gil e Gal Costa — seus parceiros, seus intérpretes. Em 1971, dirigiu o show e a gravação ao vivo do disco Fatal, de Gal, com destaque para duas canções compostas com Jards Macalé (Vapor barato e Mal secreto), e de Luz do sol, em parceria com Carlos Pinto. Waly ainda viria dirigir Macalé em Morbeza romântica, espetáculo que também virou disco.
Além das músicas feitas com Caetano, nessa época Waly também criava com Tom Zé e Torquato Neto. Com este, produziu, em primeira e única edição, a revista Navilouca, revolucionária no conteúdo e no grafismo, publicando, entre outros, Lygia Clark, Stephen Berg, Ivan Cardoso, Rogério Duarte, Chacal, Luiz Otávio Pimentel, Luciano Figueiredo, Óscar Ramos.
Próximo à geração concretista, Salomão recebeu e reconheceu a influência de Décio Pignatari e dos irmãos Haroldo e Augusto de Campos. Sobre Paulo Leminski, Waly disse: “Leminski é como se fosse uma cunha na enclave da poesia concreta” (revista Quem, 1981).
Discos & livros
Artífice de uma inteligência e de uma arte autenticamente brasileiras, negro, descendente de árabes, Waly contraria o fundamento do paradigma europeu como pilar determinante do nosso desenvolvimento cultural.
Em sua intensa e peculiar trajetória, insere-se a descoberta de Luiz Melodia: por sua sugestão, Gal Costa gravou Pérola negra, o primeiro sucesso de Melodia. Nos anos 80 surgem novas parcerias, com Lulu Santos, Assaltaram a gramática, em gravação dos Paralamas do Sucesso, com Roberto Frejat, Balada de um vagabundo, música gravada por Cazuza, com Itamar Assumpção e com Antonio Cícero, com quem escreveu um disco completo, Zona de Fronteira, para João Bosco.
Já nos anos 90, Waly troca encantos com Cássia Eller e Adriana Calcanhoto. Com Cássia produziu o show e o disco Veneno antimonotonia. Adriana musicou dois poemas seus: Pista de dança e A fábrica do poema.
No campo editorial, Waly Salomão participou da organização e edição de Os últimos dias de paupéria, coletânea de artigos do poeta e amigo Torquato Neto, morto em 1972. Editou ainda Alegria alegria, livro de Caetano Veloso. Como escritor, além dos já citados, outros livros são Gigolô de bibelôs, Surrupiador de souvenirs, Algaravias, Lábia e Tarifa de embarque. Com Algaravias — Câmara de ecos, ganhou os prêmios Alphonsus de Guimaraens, da Biblioteca Nacional, em 1996, e o Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1997.
No cinema, Salomão representou o papel do poeta baiano Gregório de Mattos, o Boca do Inferno, no filme Gregório de Mattos, produzido pela Riofilme e dirigido por Ana Carolina.
Entrevistado por Heloisa Buarque de Hollanda, no JB OnLine, pouco depois da sua nomeação para a Secretaria Nacional do Livro e da Leitura, exatamente três meses antes de morrer, Waly anunciou o seu projeto Fome de Livro: “Penso em agir com muita dedicação, sonho e catimba, que é uma palavra que vem da África. Sonho com um povo mais bem alimentado, letrado, gostando de livro, mas sem estar oprimido pela leitura. Sonho com o Brasil, nesta gestão Lula, assumindo sua face original e diversificada perante o mundo. O livro pode ajudar nisso. Minha meta é transformar o livro numa carta de alforria”.
* Título-homenagem a Waly; alvíssaras, palavra de origem árabe, significa recompensa por anunciar boas novas; sailormoon, do inglês, marinheiro da lua, pseudônimo usado pelo autor baiano no início dos anos 70.