O caso Diogo Mainardi

O ácido olhar do escritor sobre o Brasil
Diogo Mainardi: “A gente não vale nada”.
01/05/2004

A revista Veja tem uma coluna imperdível toda semana. É a de Diogo Mainardi, cujo mau humor encontrou no jornalismo a vazão com que inundou o romance Contra o Brasil (Companhia das Letras, 1998). Diogo estreara na literatura com Malthus (1989), seguido de Arquipélago (1992) e de Polígono das secas (1995). O próprio escritor já declarou que encontrou poucos leitores para esses livros, o que, em se tratando de Contra o Brasil, principalmente, é uma pena. De extraordinário é o autor admitir isso, pois autores brasileiros costumam vender pouco, mas ninguém lhes arranca declaração que não seja eivada de insinuações de que seus livros, se não são sucesso de público, são sucesso de crítica. Reforçando a tese, encontramos escritores bafejados por críticas universitárias e resenhas na imprensa que têm algo em comum: tratam de livros desconhecidos dos leitores.

Vamos ao romance, com o fim de iluminar suas colunas. Pimenta Bueno herdou da família o decadente cine Bandeirantes, habitado por mendigos. Ao tentar expulsá-los, leva uma surra. Em companhia de Azor, marido da empregada Zenith, abandona a mulher Lavínia e sai em fuga pelo sertão em busca das linhas telegráficas instaladas pelo Marechal Rondon. Quer encontrar os índios Nambiquara, o povo mais primitivo do mundo, segundo relatos documentais e insuspeitos de célebres antropólogos.

Mas ao chegar à aldeia, constata que alguns índios muito espertos andam de jipe e vendem madeira a exploradores. Mainardi antecipou o imbróglio que envolveu recentemente a chacina de dezenas de garimpeiros, perpetrada pelos índios da tribo Cinta Larga, que mais uma vez deixou boquiabertos os leitores da imprensa estrangeira. Aqui já estamos acostumados a muita violência. O inédito desta vez foi que índios mataram brancos. Quase sempre era o contrário.

A anti-saga desse anti-herói de Mainardi termina na Europa, depois de Pimenta Bueno fracassar na tentativa de restaurar a primitividade original dos nambiquara. Tendo deixado vários cadáveres no percurso, acaba disfarçado em além-mar, enganando mães solteiras e assobiando certa música de Chopin que pensou estar sendo executada por acordes flatulentos dos nambiquara.

Escritores que já foram alvo das ácidas críticas de Mainardi poderão brandir o ditado: casa de ferreiro, espeto de pau. Pois Mainardi não demora a mostrar suas insuficiências, principalmente na caracterização dos personagens coadjuvantes, que aparecem e saem da narrativa sem muitos nexos com a figura solar de Pimenta Bueno, este, sim, esplendidamente caracterizado.

Na passagem deste século, o Conde Affonso Celso vendeu 300 mil exemplares de um pequeno livro intitulado Por que me ufano de meu país, com o subtítulo em inglês: right or wrong, my country, cujo primeiro equívoco já estava na escolha de expressão da língua inglesa para proclamar glórias nacionais.

Em lugar do otimismo de Affonso Celso, Mainardi insiste com seu pessimismo. Seu romance mostrou que não vale a pena confiar no Brasil ou nos brasileiros. Mas depois que deixou a ficção de lado, pelo menos temporariamente, vem dando curso a seu projeto por outro caminho, o do jornalismo, e nele encontrou um tom muito apropriado para suas críticas. Freqüentemente suas colunas provocam verdadeiras inundações de cartas e mensagens à redação de Veja.

O escritor irlandês Jonathan Swift (1667-1745) propôs que fossem feitas salsichas de carne de crianças para matar a fome dos adultos, em violenta sátira à sociedade inglesa. Diogo Mainardi segue este padrão sarcástico em suas colunas semanais.

Mas é em seus livros e não nas colunas que ele obtém melhor desempenho.

Deonísio da Silva

É escritor. Autor de Avante, soldados pra trás, entre outros

Rascunho