Vós, um só fluxo-floema

“O abduzido”, de Jairo B. Pereira, é ordem através da desordem, uma desconstrução construtiva às margens do rio Iguaçu
Ilustração: Eduardo Souza
01/06/2024

Tudo-isso ou quase-nada: ordem através da ordem, um quebra-cabeça sem cabeça nem quebra, desordem através da desordem, estou falando de O abduzido, aquele que preferiu ficar em casa e foi transferido (1999), de Jairo B. Pereira, ordem através da desordem, “ΔIΦΣΨΗΦIΛφελαβηψεμ massa de pigmentos bem forte de cores primárias”, desordem através da ordem, “dezenas de besouros coloridos sobre a pasta pictórica esparramada”, entropia, da ordem pra desordem, o corpo elétrico de Hermes Lucas Perê cercado por eclipsemas protonathurais, vós autores-leitores, um só vórtice-vértice, uma só viagem-vertigem primeiro através em seguida ao redor de nossa galáxia sináptica, um só fluxo-floema, desconstrução-reconstrução do enredo, da linguagem, “φελαβηψεμΔIΦΣΨΗΦIΛ o dia que os abduzidos do Brasil se reunirem vai faltar assento no maior estádio do país”, tudo-isso ou quase-nada: o corpo xamânico de Hermes Lucas Perê num fluxo mediúnico, não domesticado, homem & super-homem, ego & alter ego vingadores no minifuracão de Capitópolis, “ΦIΛΔIΦΣΨΗψεμφελαβη tenho ímpetos violentos de querer vingar os mortos ilustres que o passado condenou à miséria”, Cuando despertó, putaquipariu, el dinosaurio todavía estaba allí, el dinosaurio pilotando el disco voador, estou falando de O abduzido, aquele que preferiu ficar em casa e foi transferido (1999), de Jairo B. Pereira, ordem através da desordem, uma desconstrução construtiva às margens do rio Iguaçu, “αβηψεμφελΣΨΗΦIΛΔIΦ contatos imediatíssimos de um megalômano com o universo da cultura”, desordem através da desordem, ensaios memórias anseios anedotas lorotas versos ficções digressões citações sagradas & profanas: miscelânea alquímica, ordem através da ordem, superfeliz, ciberfeliz nas ruas alienígenas de Capitópolis, um dos temas mais recorrentes é a guerra dos mundos da política literária, artistas & autores desprezados pelo mercado versus artistas & autores sobrevalorizados pelo mercado, humanos invisíveis versus humanos supervisíveis, “ΣΨΗΔIΦΦIΛαβηφελψεμ um dia botei na cabeça de enviar meus livros a um crítico emérito da província mandei todos os que possuía e recebi a resposta alentadora de que minha literatura era adolescente reivindicativa irresponsável que estava caminhando a passos de cágado para uma possível maturidade e eu que achava já estar próximo da indicação ao Nobel que já tinha dado tudo de mim”, tudo-isso ou quase-nada: o corpo eclético de Hermes Lucas Perê se desintegrando e se reintegrando numa cabine de teletransporte, as partes trocadas, orelha no lugar da boca, nariz no lugar do umbigo, id no lugar do ego, ego no lugar do superego, “αβηφελψεμΣΨΗΔIΦΦIΛ ser-me sou o próprio artista primitivo protonathural amadurecido na brincadeira das relações diárias com os objetos ser-me sou por conta própria direciono meus gestos magaventurosos como eu quero sobre tua casa ainda não teve lugar em que não meti meu nariz”, o holograma de Jairo B. Pereira entre hologramas de outros abduzidos: Hilda Hilst & Fausto Fawcett & Haroldo de Campos & Paulo Leminski, o contínuo fluxo-floema passando de página para página, de obra para obra, “ΦIΛΔIΦΣΨΗψεμφελαβη ser-me sou Hermes Lucas Perê do Transpoético mil dias sentado na mesma pedra da mesma montanha de gelo seco mil noites brincando com os pirilampos palavras não-identificáveis visitantes ilustres do meu quarto aberto aos espíritos, transpoético transmetálico transheráldico transherético transideólogo transfilósofo transpictórico vou visitar o lodo onde as moscas azuis e verdes ovulam formas inusitadas de ser”, tudo-isso ou quase-nada: estou falando de Arijo, o anjo vingador dos poetas recusados (2014), do cosmonauta jAirO pEreIrA, “Kandinsky Kandinsky tudo são criptografias que o vento imprime nas telas da paisagem dinâmica dinâmico meu talento cego doido pra tudo quanto é lado Kandinsky Kandinsky”, planetas & estrelas distantes, pra tudo quanto é lado regiões semânticas & siderais, jairos-arijos dentro de sombras dentro de sombras dentro de sombras, atravessando portais interdimensionais, há escritores que escrevem como o mundo é: trágico, violento, há escritores que escrevem como o mundo deveria ser: mágico, infinito, “Faço coleções de linguagens no périplo que pratico todo dia; coleções de imagens dos mundos transmundos que trafego; uma linguagem duas linguagens três linguagens se praticam quando nominamos coisas e usamos os signos como representações das coisas nominadas; vivo vestindo realidades materiais com os signos que trago no velho bornal de lona; só uma única vez reconheci três realidades da mesma matéria apanhada naquele charco do planeta REVISTHEN’S 222”, jairos-arijos nesses orbes do phuturo, dentro de eclipsemas dentro de eclipsemas dentro de eclipsemas, vestes invisíveis rebatendo projéteis insuspeitados, tudo-isso ou quase-nada: estou falando de O pisalume no caminho (2020), de jAirO pEreIrA, “Intuição e clarividência; meus sentidos andando a esmo nas vias irrepetidas do conhecer avançando em conquista de espaços novos”, o quixotesco Jairo Arijo Oriaj Riajo, último cavaleiro andante do meu, nosso, vosso Bryzuka varonil, “Pensava pensei penso: aquele que recebe as contribuições do indizível está apto a penetrar a nathureza de todas as coisas”, a forças incognoscíveis do visceral universo são filtradas pela Interface Cósmica, sonhos lúcidos se propagam no éter, a Superbolha e o Megatrix coordenam “a memória-inteligência, o mecanismo de realização do ato pensante”, sob a força gravitacional do maníaco fluxo narrativo de jAirO pEreIrA a substância neurótica que sustenta nossas pulsações mentais colapsa, trincando a casca do Ovo Primordial, “Tropiprolixo na literatura é o caralho do gato maracajá enfiado na maracajoa; trulipso prolixotropi ortopirprilixo vou como vêm as sãs inaugurações do espíritho”, tudo-isso ou quase-nada: ordem através da ordem, cristais vibrando purezas & belezas, ordem através da desordem, oásis eventuais surgindo num lixão a céu aberto, desordem através da ordem, entulho verborrágico deslizando em avalanche, desordem através da desordem, circuitos neurais emocionais compondo um campo de forças muitas vezes sujo, muitas vezes tosco, desconjuntado, grosseiro, antiacadêmico & antimercado, não há perfumaria chique nessa explosão malcheirosa, mas me corrijo, não se trata de um lixão de fatos & artefatos da poluidora indústria cultural, trata-se de um tremor de terra, as três rapsódias-tijolos do autor são o resultado de um psico-terremoto: um mundo de sutilezas & grosserias, amores & rancores, delírios & escombros, muitos escombros nos campos e nas cidades do Bryzuka varonil, tudo-isso ou quase-nada

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{Esse fluxo prosa-poético fez parte de uma performance realizada por este daemonizado colunista no dia vinte de abril deste ano, intitulada Novos OVNIs: Objetivos VerbiVocoVoadores Não Instagramáveis. Durante a performance, que durou quinze minutos — ou quinze horas, difícil dizer —, um trio de discos voadores foi avistado riscando-piscando no céu noturno acima da Praça do Pôr do Sol, em Sampa.}

Olyveira Daemon

É ficcionista e crítico literário. É autor de Poeira: demônios e maldições e Ódio sustenido, entre outros.

Rascunho