🔓 Ninguém nada nunca

09/01/2013

“Dizer do que trata esse romance é começar a traí-lo: essencialmente, Ninguém nada nunca nunca diz nada sobre ninguém. É no vazio de sentido das pós-vanguardas, na descrença que se erigiu em relação a qualquer representatividade, que se insere essa obra fundamental do argentino Juan José Saer — publicada pela primeira vez em 1980, ainda sob o espectro da ditadura. Mas de que se ocupam, então, suas duzentas e tantas páginas? Cedamos à traição: selecionam quatro dias no transcurso infinito do tempo, circunscrevem o espaço às margens de um rio num moroso povoado do norte argentino, e põem-se a minuciar a múltiplas vozes e vistas os pormenores materiais da existência. Uma existência sufocante em que tudo é tensão e iminência, sem que no entanto se saiba de quê. Com o mesmo espanto compartilhado, os leitores acompanham essa poética tão bela e tão própria, e esse espanto diante do inusitado e do improvável — muito mais do que a trama — é o que conduz o leitor até o desfecho, ou até a diluição final. A partir daí, confesso, as traições possíveis serão das mais diversas.”

Julián Fuks. Foto: Divulgação
Julián Fuks é escritor e jornalista. Autor de Histórias de literatura e cegueira. Mora em São Paulo (SP).

Rascunho