Poema de Rodrigo Petronio

Leia o poema "Manhã negra, açúcar, bebo o orvalho de um rosto"
Rodrigo Petronio, autor de “Transversal do tempo”
01/06/2005

Manhã negra, açúcar, bebo o orvalho de um rosto

Este açúcar negro que despejo em uma manhã de agosto
É o suor de uma face sulcada pela selva.
Diluo lentamente a sua carne no café que exala
O sangue macio, a menstruação de luz, a primavera,
A pele perfumada, o hálito da boca em brasa,
Sua resina que se granula sob a pálpebra da lua,
No seu fundo se deposita e ainda se conserva.
A arquitetura porosa dos ossos se traduz em um só gosto.
As fibras da língua e a saliva se preparam para a flor
Ceifada do todo e, despicienda, retida entre as mãos, em seu aborto.
Imolo a sua doçura no pavilhão da xícara, e ele,
Prestes a mergulhar em mim e, em uma só carícia cega,
Povoar-me os sonhos e rechear-me o interior de cada célula.
Dissolvo-o vagarosamente nos giros da moenda.
O aroma se desprende e enche toda a sala:
Mãos diáfanas com suas linhas feitas à faca,
Costas estriadas em arabesco como um cesto de vime.
Pausado, levo a emulsão aos lábios e desfruto
A repetição de mais um ritual civilizado
Como quem em plena luz comete um crime.

Rodrigo Petronio

É poeta e crítico literário. Autor de Pedra de luz, entre outros.

Rascunho