Obra em ascensão

Em "Estão todos aqui", Alexandre Brandão evita acrobacias lingüísticas e se concentra na elaboração de suas tramas
Alexandre Brandão: trajetória fecunda.
01/08/2005

Dez anos após sua estréia, Alexandre Brandão retorna com uma nova safra ficcional em Estão todos aqui, livro que reúne quatro contos e uma novela, enfeixados pelo caprichado projeto gráfico da coleção Novo conto novo, da editora Bom Texto. Preso a uma fiel abordagem dos territórios afetivos, o autor prescinde de apelos à acrobacia da linguagem — recurso muito em voga na prosa atual e que serve apenas para escamotear a falta de talento de quem o utiliza —, concentrando-se na trama, na elaboração de uma história que tenha foco no humano e em suas múltiplas re(l)ações cotidianas. Assim, ele trata dos dramas e das dificuldades psicológicas do ser a partir de uma perspectiva estética em que as perdas e os fracassos são evocados com sutileza sentimental. Ao mesmo tempo, em contraponto à dureza dos conflitos que retrata, Brandão não abre mão de uma certa dose de humor.

Percebe-se que o autor não se contaminou pela angústia do processo criativo, que muitas vezes mancha ou aborta carreiras literárias em razão do afã editorial. Essa longa e profícua hibernação é sintoma da busca de uma identidade, não de um estereótipo. Desde Contos de homem, sua literatura vem num crescendo, sem prestar favor às facilidades ou aos influxos de uma estética da diluição ou ao requentamento de fórmulas que muito têm rotulado a prosa e a poesia em nosso país.

Nos primeiros contos de Brandão, o gaúcho João Gilberto Noll prognosticava uma grande promessa literária, reconhecendo que o autor “não vem apressado para os líricos abandonos da raça; ele reluta em aderir assim, sem mais, às liturgias primordiais que a tudo consolam, pois como profundo escritor, quer ir muito além”. Os novos trabalhos confirmam essa percepção e garantem a consolidação de uma obra preocupada com a realidade. Refletindo sobre nossa condição, não encarna uma visão sublime da vida, mas constata que a solidão, a incomunicabilidade, os desencontros e desencantos, os amores desfeitos e as vidas precárias ou interrompidas são alguns sintomas da modernidade, ingredientes que habitam o inóspito cotidiano de nossas vidas. Com uma dicção que não se exacerba nas tintas ao denunciar esses mundos e a atmosfera claustrofóbica dos personagens, esse trabalho é um desdobramento do próprio olhar do autor sobre o vazio existencial.

O conto brasileiro — que nos últimos anos vem experimentando um novo boom, semelhante à ebulição que conheceu na década de 1970 — tem possibilitado o surgimento de novas vertentes e linguagens, e nesse cipoal de títulos e autores, ainda é possível separar algum trigo em meio a tanto joio. Alexandre Brandão, mineiro de Passos, radicado no Rio de Janeiro, é uma das revelações dessa nova geração. Não faz literatura como mero figurante, nem vai permanecer por ter a homologação artificial de alguma crítica apaniguadora, mas porque seu projeto literário se sustenta pela densidade, perseguindo a qualidade e privilegiando a harmonia entre a forma e o conteúdo. É um autor que, silenciosamente, vem construindo uma fecunda trajetória, demonstrando não apenas domínio da narrativa, mas provando que tem tutano para continuar no páreo e alçar vôos mais altos.

Estão todos aqui
Alexandre Brandão
Bom Texto
136 págs.
Ronaldo Cagiano

Nasceu em Cataguases (MG). Formado em Direito, está atualmente radicado em Portugal. É autor de Eles não moram mais aqui (Contos, Prêmio Jabuti 2016), O mundo sem explicação (Poesia, Lisboa, 2018), Todos os desertos: e depois? (Contos, 2018) e Cartografia do abismo (Poesia, 2020), entre outros.

Rascunho