Romântica e literata

Apesar da protagonista inverossímil, “Um amor literário”, de Letícia Malard, é um bom romance
Leticia Malard, autora de “Um amor literário”
01/02/2006

O amor é ridículo. Quer dizer, para todos aqueles que não amam. Quem está de fora adora achar brega tudo o que é feito por quem ama, em especial as declarações de amor: cartas com poemas açucarados e sem métrica. A situação piora quando a pessoa apaixonada tem uma cultura literária. Isso porque ela já leu inúmeras coisas bacanas sobre o amor, textos maravilhosos, poemas e outras obras avassaladoras, e utiliza todas essas armas para ir atrás de quem ama. Ainda que a qualidade dos textos seja infinitamente melhor que as poesias adolescentes que quase todos já cometeram, resta no fundo o fato de que é sempre uma declaração de amor. E o amor é ridículo.

Como o amor não tem idade, podemos até estranhar uma recém-viúva de uns 50 anos arriscar a via literária para tentar conquistar uma velha paixão não correspondida da infância. Este é o caso de Lutécia, a protagonista de Um amor literário, romance de estréia da crítica literária Letícia Malard. Viúva recente, mulher nova, Lutécia descobre que o seu primeiro amor, o ex-namoradinho de uma amiga dos tempos do ginasial, ainda é o seu amor verdadeiro. A despeito da idade, da diferença social, do fato de ele ser casado e assediado por “n” mulheres e de ele não estar nem um pouco a fim dela, Lutécia inicia uma aventura literária para tentar seduzir o seu amado e conquistá-lo.

Ao longo do livro, Lutécia — Letícia (o livro é escrito em primeira pessoa) — usa e abusa da intertextualidade. Lutécia é uma literata que traz na bagagem um baú cheio de livros e livros e livros, fora os que ficaram guardados em sua mente; e lança mão de todos eles para alcançar o seu objetivo. A quantidade de textos e autores citados ao longo das 144 páginas do livro é impressionante: são 88 autores listados por Letícia ao final do livro. No entanto, não conhecer o trabalho dos 88 autores não é condição necessária para se ler Um amor literário. Mas conhecer um pouco sobre cada um deles torna a leitura mais agradável.

E se você não entrar no jogo literário proposto por Letícia, é difícil acompanhar as peripécias de Lutécia. Quem acreditaria em uma viúva de 50 anos agindo como uma adolescente apaixonada? E ainda por cima apaixonada pelo seu primeiro amor — um que ela nunca nem beijou —, o ex-namorado da colega da escola? Fosse a literatura um fiel retrato da vida real, Lutécia já teria acusado o golpe — a primeira recusa de seu alvo — e partido para outra. Mas ela não desiste, tal e qual uma adolescente obcecada pelo menino mais bonito da escola. E a cada nova tentativa temos uma nova empreitada literária, com Lutécia desfilando o seu conhecimento procurando chamar a atenção do único espectador que ela quer. Procura vã, sem resultados. Chama a atenção que a protagonista Lutécia não esteja bem preparada para a vida real, como ela mesmo confessa no início do livro. Noves fora a desgraça pessoal que lhe ocorreu, falta-lhe traquejo e ginga para lidar com o real.

Letícia Malard tem uma boa estréia com seu Um amor literário. Sabe prender a atenção do leitor, mesmo com uma personagem até certo ponto inverossímil. Sabe lidar com a bagagem cultural que possui e utiliza-a de maneira adequada, sem querer exibir seus conhecimentos ao leitor. E sabe escrever e escreve bem, o que já meio caminho andado em uma terra onde muitos escrevem, mas poucos o fazem com um mínimo de qualidade.

Um amor literário
Letícia Malard
Ateliê Editorial
144 págs.
Adriano Koehler

É jornalista. Vive em Curitiba (PR).

Rascunho