Em entrevista ao Rascunho do mês passado, Adélia Prado descreveu com romantismo o ofício de escritor. “Quem escreve profissionalmente é jornalista. Poeta e ficcionista só escrevem quando Deus quer; e às vezes Ele nos deixa no deserto, sem água.”
O jornalista Maurício Lara, autor de Em nome do bem — Uma alegoria da política brasileira, desafia Deus com seu primeiro romance, mas não consegue sair do deserto.
O livro é uma ingênua tentativa de mostrar os bastidores da política brasileira, usando para isso a carreira do deputado Fardo Natal. O que poderia ter sido uma história reveladora há 20 anos, parece fábula infantil nos tempos de Roberto Jefferson e companhia.
Enquanto qualquer criança tem acesso hoje, em tempo real, pela internet, aos desdobramentos do valerioduto, Maurício Lara apresenta como furo jornalístico as artimanhas usadas pelos deputados para encorpar os próprios salários.
Os números eram simplesmente assustadores. Como um deputado estadual podia ganhar tanto dinheiro? Como justificar um rendimento daquele num país de miseráveis, com o desemprego grassando entre os trabalhadores? O deputado Natal tinha razão: aquilo era uma farra com o dinheiro público e tinha de acabar.
Mas não é só o enredo que é fraco em Em nome do bem. O texto também é extremamente óbvio, sem contar os erros gramaticais. (“Esse povo estava aí abandonado há séculos. Chega você e faz esse trabalho hercúleo para ajudá-los. Em vez de agradecer, eles querem mais. Isso é ingratidão.) Há também falhas de continuidade, pois uma hora a verba de publicidade é “bem polpuda” e outra hora é “limitada”, na opinião do próprio secretário de Comunicação.
Na verdade, o romance vem equivocado desde a primeira página, quando o jornalista quis sugerir uma analogia entre futebol e política, mas seu time de adolescentes é apresentado de forma muito sem graça e num contexto que nunca chega perto da verossimilhança.
No grupo tinha estudante, trabalhador e vagabundo. Tinha bobo e tinha esperto. Uns eram honestos e outros nem tanto. Tinha o dono da bola, tinha pobre e tinha remediado; rico nenhum. Tinha os menores e os maiores, tinha os mais fortes e os mais fracos, tinha preto e tinha branco, tinha bonito e tinha feio. Tinha de tudo, mas nem todos sabiam o que precisava ser feito para ganhar um jogo.
Acreditem, no desenvolvimento do romance os principais personagens acabam tendo ligação por meio do time do passado. Só que a proximidade não produz qualquer efeito realmente importante na vida deles.
O “grande” final que o autor reservou — tentando remeter a história aos tempos do time de adolescentes — é pueril e só serve para comprovar que a alegoria pretendida não é factível, nem mesmo com a foto da capa, que mostra um moleque jogando bola, mas também sem justificativa no contexto do livro.