Com padronização gráfica similar, a Coleção Rocinante da Editora Sete Letras tem lançado muita gente nova, em geral prosadores — Tiago Novais (Subitamente: agora), Jeanette Rozsas (Qual é mesmo o caminho de Swann?), Whisner Fraga (A cidade devolvida), Marília Arnaud (O livro dos afetos) —, marcando a estréia de diversos autores, sobretudo, no gênero conto. Este é o caso do jornalista e escritor mineiro radicado em Brasília José Rezende Jr., que estréia com o livro de contos A mulher-gorila e outros demônios. Com orelha assinada por Moacyr Scliar (“O conto está vivo”), são dez contos relativamente extensos. Em grande parte deles, não se dispensam a crueza, a violência e a miséria, asperezas da vida que se entranham perversamente no cotidiano das relações, assim como, a memória desencantada do passado, lembranças que perfazem o ódio, a revolta ou o ressentimento culpado, como no conto de abertura Pleibéqui.
São histórias de gente humilde, simples, de terra batida. Rezende dá vez e voz (“— Ocês me dão um pouquim de com-licença? É qu’eu ouvi ocês inda-gorinha…”) a pessoas esquecidas, envolvidas por mazelas sociais e de vivência trágica, desamparada, em geral, narrativas perspectivadas, descritas sempre sob o ponto de vista de personagens e de suas visões pessoais. Neste exemplo (o conto Não passarão), percebe-se a alusão a Guimarães Rosa, mas há uma dicção própria do autor, um falar misto de nordestino, caboclo e mineiro, mas, o que importa, de elaboração literária. Nesse e em tantos outros, o desamparo estampado, por exemplo, nos berros desesperados do locutor que anuncia a mulher-gorila, história que dá título ao livro.
Sinais de miséria sofrida, calejada, como em Os bichos, quando se constata a lenta transformação de pessoas devido ao cotidiano; discurso em que se agradece e se aplaude efusivamente. Mas se há esse tom no livro também se percebe a ironia, a provocação e o medo em Ainda é tarde (“Mantenho janelas e portas fechadas, isolado do mundo exterior, mas sei que é sempre noite por causa dos insetos”) dificultando os relacionamentos humanos, que se desfazem a partir de embates, tornando os seres ainda mais excluídos. Solitários. A configuração renitente é da crueldade. E a indiferença e surpresa diante dos atos do Outro. Esmagadora, a opressão aparece aqui e ali como marca referencial, denúncia de impedimento à fluidez da troca. 59 segundos vibra ensurdecedor. Não há pontuação, são reverberações, repetições, obliterações nesta espécie de “conto-CD” que narra a sofreguidão de um assalto.
Há personagens tomadas pela revolta, como em A triste orla do Aqueronte; constatações doloridas de injustiças em Nada nunca não (“Vou morrer negando, por mais que me batam, que me quebrem inteiro. Acho que até já me quebraram inteiro, já”); e chama a atenção, sobretudo, a utilização de certa “fala popular” incorporando gírias e cacoetes sem titubeios, isso porque cada conto parece assumir forma própria, sem se desenvolver uma linha estilística que se repita de forma extenuante. Rezende parece não se afinar a qualquer grupo, a um padrão aprisionador e, com isso, consegue dar conta de narrativas distintas. Um bom começo para alguém que quer expor as complexas relações de seu tempo numa época de solidão, certa desesperança e de enfrentamentos.