O jornalista Marcelo Rezende decididamente possui experiência no que se refere ao universo da literatura. Essa afirmação pode ser constatada tanto na sua trajetória como crítico, em publicações como Folha de S. Paulo e Gazeta Mercantil, quanto em seu romance recém-lançado pela Editora Planeta, Arno Schmidt. A obra, como diz o título, se refere ao escritor alemão Arno Schmidt, cuja produção artística, ao que parece, permanecia desconhecida de boa parte dos leitores brasileiros até o lançamento do livro de Rezende.
Nesse sentido, o romance tem o mérito não só de fazer essa referência ao autor alemão, mas também o de trazê-lo para o centro da trama, como um ensaio sobre a ficção de Schmidt, com personagens articulando a obra póstuma do artista de vanguarda que ele foi. Entretanto, a narrativa não está amarrada de maneira linear. Em verdade, o texto se destaca justamente por estar repleto de descrições e breves diálogos que se completam e se embaralham, tornando a leitura, em certa medida, um exercício de atenção.
Surgem, então, duas hipóteses de interpretação: a primeira, mais interessante, presume que os leitores, com efeito, fiquem envolvidos pela história e assim passem a descobrir o traço delicado do texto de Rezende, que busca montar um ambiente polifônico e, ainda assim, coerente, como consta no trecho a seguir: “Acredito estarmos nos aproximando de três dos mecanismos básicos dos quais poderíamos fazer uso em nossa situação; falo de psicose, de perversão e de histeria, e aqueles a quem procuramos se comportarão seguindo essas pulsões”.
É essa percepção que há de notar a presença e a importância de Arno Schmidt na história. Nas palavras de uma personagem, aquele país em que estavam existia não porque havia território, língua, fauna e flora. O país existia, isso sim, porque Arno havia escrito sobre suas florestas, sobre a sua língua, assim como acerca da sua fauna e dos seus frutos. “Arno Schmidt, ele quase gritou junto ao rosto delas, esteve um dia aqui”, demarca Rezende, por meio de suas personagens.
E sobre a outra hipótese?, imagino a pergunta no ar. Ora, a outra hipótese, totalmente contrária, há de considerar que o livro, apesar de breve, é difícil, hermético e pouco objetivo, exagerando na descrição e na forma, carecendo de ação entre as personagens. Haverá, de fato, quem leia o livro dessa forma menos paciente. Contudo, embora não seja uma leitura tão fácil como uma prosa linear, de personagens com objetivos pré-estabelecidos na trama, o livro se destaca por sua iniciativa experimental. Breve e conciso. Hermético, mas competente.